Comendo ovo com arroz e feijão, o pescador Francisco Gonçalves da Silva, 79 anos, tenta dar uma explicação para as enchentes que apavoraram Barras, um dos municípios piauienses em piores situações com as cheias: "Acho que não é coisa do demônio. Creio que Deus está nos dando uma surra", diz o pescador, em meio a gritos de crianças que brincavam na creche que virou abrigo para ele e mais três famílias.
Após 25 dias com lojas fechadas e com água até o meio dos prédios, os comerciantes reabrem os estabelecimentos e calculam os prejuízos. "Por alto, creio que o prejuízo aqui foi de mais de R$ 15 mil com destruição dos móveis e materiais de venda", conta o supervisor da empresa Belos Móveis, que estava mudando o piso e pintando a loja.
Pelos cálculos da Defesa Civil, mais de mil famílias já voltaram para suas casas somente essa semana. O prefeito de Barras, Francisco das Chagas Rego Damasceno, mais conhecido como Manin Rego, admite que a auto-estima dos moradores da cidade está abalada. "O que mais comove a população é a perda material. Nunca aconteceu isso. Tem família que perdeu tudo", disse o prefeito. "Percebo que até o olhar das pessoas está diferente. É um olhar de compaixão e perca da esperança."
Rego calcula que, inicialmente, vai precisar de R$ 21 milhões para reparar os estragos causados pelas enchentes. Um dos orgulhos da cidade, o time de futebol de Barras, está sendo obrigado a jogar em Piracuruca, a 84 km de distância da cidade, devido o alagamento do estádio Juca Fortes.
Há quem, receoso de ver uma repetição da enchente, pense em abandonar a cidade. É o caso do seresteiro José Luis Feitosa, 47 anos, dono do bar Felicidade, no bairro Prainha, um dos mais atingidos. "Vou sair daqui e morar num lugar seguro", anuncia Feitosa, que mora há uma década no local e todo ano enfrenta a cheia do rio Marataoan.
3 mil alunos estão sem aula
Conhecida como a "terra dos governadores" - seis dos ex-chefes do Executivo do PI são Barrenses (David Caldas, Taumaturgo de Azevedo, Coriolano de Carvalho e Silva, Raimundo Arthur de Vasconcelos, Mathias Olímpio de Melo e Leônidas de Castro Melo) - a cidade ainda possui 3 mil alunos sem aulas. Os colégios ocupados por desabrigados e povoados isolados dificultam o retorno dos estudantes às escolas.
No posto de saúde do bairro Xique Xique, que abriga famílias carentes, a água chegou até o telhado e só retornará as atividades nesta segunda-feira. O posto atende mais 2 mil pessoas por mês.
A cena de mudanças para abrigos ou casas de parentes e amigos é constante. "Estava na casa de uma irmã, mas nunca é como a casa da gente", conta a aposentada Gonçala Costa Evangelista, 72 anos. Ela informa que a maior cheia que viu nos últimos anos em Barras além dessa foi a de 1974. "Essa foi a mais duradoura e que causou maior estrago", disse a aposentada, enquanto deslocava os móveis que conseguiu pegar durante as enchentes.