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"Deus está nos dando uma surra", diz pescador sobre chuvas no Piauí

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Depois de 60% do território de Barras (PI), município localizado a 119 km da capital Teresina, ficar submerso por quase um mês, a população tenta voltar à normalidade. No município, 3.048 famílias - aproximadamente 15 mil pessoas - tiveram que abandonar suas residências afetadas pelas chuvas. Com a baixa do rio Marataoan, que chegou a subir 9,8 m acima do leito normal, deixando famílias sem luz e até água potável, bairros inteiros terão que ser reconstruídos.
 

Comendo ovo com arroz e feijão, o pescador Francisco Gonçalves da Silva, 79 anos, tenta dar uma explicação para as enchentes que apavoraram Barras, um dos municípios piauienses em piores situações com as cheias: "Acho que não é coisa do demônio. Creio que Deus está nos dando uma surra", diz o pescador, em meio a gritos de crianças que brincavam na creche que virou abrigo para ele e mais três famílias.

"Eu fiz essa casa aos trancos e barrancos. E agora o que sobrou?", indaga a lavadeira Rosa dos Reis Rego, 56 anos, que mora provisoriamente em um abrigo há mais de um mês. "Acho que Deus está me testando", disse, ao saber que não poderá retornar para casa tão cedo, devido a ameaça de desabamento. A rua governador Fileto Pires Ferreira, onde fica a casa de Rosa, foi invadida pela água. O bairro Boa Vista, à beira da barragem Marataoan, teve de ser desocupado.
 

Após 25 dias com lojas fechadas e com água até o meio dos prédios, os comerciantes reabrem os estabelecimentos e calculam os prejuízos. "Por alto, creio que o prejuízo aqui foi de mais de R$ 15 mil com destruição dos móveis e materiais de venda", conta o supervisor da empresa Belos Móveis, que estava mudando o piso e pintando a loja.

Volta para casa
Pelos cálculos da Defesa Civil, mais de mil famílias já voltaram para suas casas somente essa semana. O prefeito de Barras, Francisco das Chagas Rego Damasceno, mais conhecido como Manin Rego, admite que a auto-estima dos moradores da cidade está abalada. "O que mais comove a população é a perda material. Nunca aconteceu isso. Tem família que perdeu tudo", disse o prefeito. "Percebo que até o olhar das pessoas está diferente. É um olhar de compaixão e perca da esperança."
 

Rego calcula que, inicialmente, vai precisar de R$ 21 milhões para reparar os estragos causados pelas enchentes. Um dos orgulhos da cidade, o time de futebol de Barras, está sendo obrigado a jogar em Piracuruca, a 84 km de distância da cidade, devido o alagamento do estádio Juca Fortes.

Há quem, receoso de ver uma repetição da enchente, pense em abandonar a cidade. É o caso do seresteiro José Luis Feitosa, 47 anos, dono do bar Felicidade, no bairro Prainha, um dos mais atingidos. "Vou sair daqui e morar num lugar seguro", anuncia Feitosa, que mora há uma década no local e todo ano enfrenta a cheia do rio Marataoan.

3 mil alunos estão sem aula
Conhecida como a "terra dos governadores" - seis dos ex-chefes do Executivo do PI são Barrenses (David Caldas, Taumaturgo de Azevedo, Coriolano de Carvalho e Silva, Raimundo Arthur de Vasconcelos, Mathias Olímpio de Melo e Leônidas de Castro Melo) - a cidade ainda possui 3 mil alunos sem aulas. Os colégios ocupados por desabrigados e povoados isolados dificultam o retorno dos estudantes às escolas.

No posto de saúde do bairro Xique Xique, que abriga famílias carentes, a água chegou até o telhado e só retornará as atividades nesta segunda-feira. O posto atende mais 2 mil pessoas por mês.

A cena de mudanças para abrigos ou casas de parentes e amigos é constante. "Estava na casa de uma irmã, mas nunca é como a casa da gente", conta a aposentada Gonçala Costa Evangelista, 72 anos. Ela informa que a maior cheia que viu nos últimos anos em Barras além dessa foi a de 1974. "Essa foi a mais duradoura e que causou maior estrago", disse a aposentada, enquanto deslocava os móveis que conseguiu pegar durante as enchentes.

 
Por Yala Sena
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