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Pedrinho e Romário trocam idolatria por gestão e desafiam dissabores do cargo

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De jogador a presidente. Da idolatria dos tempos de atleta ao desafio de comandar um clube com milhares de torcedores e com o qual são identificados.

Essa mudança de perfil, que transforma ídolos em patrões, não é novidade no futebol, mas nesta semana o grupo ganhou novos integrantes no Rio, Romário e Pedrinho. 

No Brasil, a lista aponta outros nomes consagrados que já trilharam caminhos semelhantes e não foram tão felizes. O pentacampeão Rivaldo e o artilheiro Roberto Dinamite, por exemplo, ficaram à frente de Mogi Mirim e Vasco, respectivamente, em décadas passadas.

O caso mais recente trouxe Ronaldo Fenômeno para presidir a SAF que atualmente dá as cartas no Cruzeiro, além de comandar o Real Valladolid, na Espanha. Juninho Paulista já esteve à frente do Ituano, do interior paulista, antes de se juntar a Tite na seleção brasileira. 

O tetracampeão Romário foi eleito para presidente do América-RJ, time do coração do seu pai, e Pedrinho se deu bem nas urnas de São Januário para comandar a parte social do clube. Ele também foi jogador do time cruzmaltino.

Motivação por um novo desafio, sentimento de gratidão, talvez voltar a ter proximidade com o mundo do futebol ou ainda a vaidade de ostentar um cargo com relevância junto aos torcedores podem ser alguns dos motivos que levam um jogador consagrado a encarar essa vertente. 

De olho nessa questão, o Estadão conversou com profissionais que militam nos mais diferentes segmentos do esporte e da sociedade para compreender a transição e o que leva um jogador a querer ser presidente de clube.

Sandro Orlandelli, Membro da Uefa Academy e especialista na identificação de talentos pela Federação Inglesa de Futebol (FA), alerta que, nesta transição do gramado para a sala presidencial, outras prioridades precisam ter atenção especial para a perfeita condução do dia a dia de uma associação ou sociedade anônima.

Vale lembrar que Romário e Pedrinho pararam há anos de jogar e tiveram experiências em outras áreas de atividades.

"Se o jogador inicia um processo de capacitação quando encerra a carreira, em alguns anos já existe a possibilidade de ele se formar um administrador.

Fatores importantes como receita e despesa, construção de um time, leis trabalhistas, entender a comunicação com a torcida, cuidado com o estádio e se preocupar com a bilheteria são necessidades de um gestor. 

Além do conhecimento superficial, ele precisa também construir uma equipe que possa auxiliá-lo." Ronaldo sempre diz que se cercou de bons gestores para tocar o Cruzeiro, ainda ameaçado de cair para a Série B.

Thiago Freitas, COO da Roc Nations Sports no Brasil, agência de entretenimento americana comandada pelo cantor Jay-Z, e que gerencia carreiras de nomes como Vini Jr, Lucas Paquetá e Endrick, comentou sobre as questões que surgem como desafio nesta nova fase de administração. 

"O maior desafio é para o dirigente que não foi atleta. Ter seu trabalho avaliado por resultados de campo, depender da performance de terceiros nos jogos durante os 90 minutos, definir contratações de jogadores, manter ou não um treinador.

No fim das contas, o problema é estar do outro lado do espelho", afirmou Thiago. Serão eles que tomarão as decisões agora. Neste ano, Ronaldo trocou cinco vezes de treinador em Minas.

Para Eduardo Cillo, coordenador de psicologia esportiva do Comitê Olímpico do Brasil (COB), a preparação para a nova função e, entender que agora as prioridades são outras, é determinante para se obter êxito. 

"O maior desafio para um ex-atleta é buscar um suporte de métodos, processos de trabalho e entendimento de um aspecto legal e operacional para presidir um clube. O que ele representou em campo, não adianta nem serve para mais nada. Isso demanda um certo tempo de estudo e preparo", afirmou.

A mudança do perfil de atleta para de dirigente nem sempre é imediata no universo do futebol. Em alguns casos, o mundo da política acaba sendo um caminho que ajuda a moldar o perfil que essa nova função pede.

Em outras situações, a decisão acontece após um amadurecimento na fase pós-carreira e no aprimoramento em outras áreas por meio de cursos.

ROMÁRIO ASSUME COM DISCURSO DE GRANDEZA

Senador pelo PL, Romário foi eleito, no último dia 9, como novo presidente do América-RJ, clube do coração de seu pai, Edevair. Candidato único ao pleito, o Baixinho precisava amealhar pelo menos 30 votos para que a eleição fosse confirmada.

No encontro, ele obteve 54 e, dessa maneira, conquistou o direito de comandar o clube do bairro da Tijuca no período de 2024 até 2026.

Dono de uma personalidade polêmica e provocadora, o atacante que consagrou a camisa 11 ao longo da carreira nos gramados, e levou o Brasil a uma conquista mundial, comentou sobre o novo desafio que cerca a sua trajetória logo após a posse no América.

"Eu me sinto preparado para essa nova etapa na minha vida. Tenho certeza e fé em Deus que vocês, americanos, como eu e meu pai, vão me ajudar para que possamos recolocar o América na primeira divisão do Campeonato Carioca e também na disputa de uma competição nacional", afirmou o senador, que chegou a vestir a camisa do América em final de carreira na campanha do acesso à elite do Estadual do Rio em 2009.

No mesmo ano, ainda exerceu a função de gerente de futebol e agora diz ser o seu time de infância.

PEDRINHO CONTA COM APOIO DE FELIPE E EDMUNDO

Também no Rio, uma outra eleição presidencial agitou o noticiário esportivo na última semana. À frente da chapa Sempre Vasco, o ex-meia Pedrinho trocou a carreira de comentarista esportivo de TV, na Globo, para abraçar o desafio de ser mais um ex-atleta a comandar uma agremiação esportiva.

Com o apoio de nomes históricos como Edmundo e Felipe, ele foi eleito presidente do clube associativo para o triênio 2024-2026 ao derrotar o candidato Luis Roberto Leven Siano. Ele recebeu 3 372 votos contra 1.844 de seu adversário.

Pedrinho chegou a trocar mensagens com o Estadão para falar sobre o tema na quinta-feira.

Em resposta à reportagem sobre o novo desafio em sua trajetória, o ex-jogador disse que o acordo é falar sobre a sua nova condição de presidente somente após a posse para não atrapalhar o Vasco, que luta para fugir da zona de rebaixamento da competição do Campeonato Brasileiro. Esse é um problema com o qual o novo cartola já começa a se preocupar.

Sem conseguir esconder as lágrimas após ter sua vitória confirmada, a chegada de Pedrinho ao poder vai significar a aproximação de ídolos como Edmundo e Felipe, que fazem parte deste grupo político, na nova administração vascaína.

Cauteloso com a situação do time no Brasileirão, ocupa a 15ª posição com 40 pontos, Pedrinho evitou comentar sobre os pilares de sua plataforma de administração após ser eleito.

"O ideal seria que esse processo eleitoral ocorresse após a temporada, mas temos de respeitar o estatuto. Temos de esquecer agora qualquer questão política", afirmou o agora mandatário para não atrapalhar o trabalho do departamento de futebol.

COM DINAMITE NO PODER, VASCO AMARGOU DUAS QUEDAS

Principal artilheiro do Vasco e tido por muitos como o maior jogador da história do clube, Roberto Dinamite assumiu sob grande expectativa por interromper a era Eurico Miranda no poder em São Januário. 

Em duas gestões sob o seu comando, no entanto, a equipe da Cruz de Malta sofreu dois rebaixamentos (2008 e 2013) para a Série B. O contraponto veio com o título da Copa do Brasil em 2011, último troféu de expressão nacional que chegou ao clube.

Após deixar a presidência, o jogador, que morreu em janeiro deste ano, admitiu várias vezes que sua passagem em São Januário como gestor arranhou a imagem de ídolo que ele construiu ao longo da carreira.

"Fui eleito quatro vezes vereador no Rio e cumpri um mandato como deputado estadual. 

Aí, resolvi entrar para a política do Vasco e isso foi ruim no aspecto da minha imagem como ídolo. Mas a vida tem desafios que aparecem no nosso caminho.

Às vezes, é no momento mais difícil que você consegue superar as dificuldades." Dinamite foi um gestor questionado. Nunca mostrou aptidão para o cargo. Para ele, enfrentar os beques em campo era mais fácil.

EM MOGI

No interior de São Paulo, um outro nome consagrado nos gramados do Brasil e da Europa também resolveu abraçar a tarefa de dirigente esportivo, e o resultado esteve longe de um final feliz. 

Destaque do Mogi Mirim no início dos anos 90, Rivaldo teve a chance de defender clubes como Corinthians e Palmeiras após brilhar na equipe que ficou conhecida como Carrossel Caipira.

Depois disso, foi ídolo do Barcelona e conquistou ainda a Copa do Mundo de 2002 como um dos protagonistas da campanha ao lado de Ronaldo.

Em 2008, o camisa 10 se tornou presidente do clube quando ainda tinha contrato como atleta com o Bunyodkor, do Uzbequistão. Em 2015, alegando motivos particulares, vendeu o clube a empresários para voltar a ser atleta e atuar ao lado do filho Rivaldo Júnior no próprio Mogi. 

Dois anos mais tarde, o jogador foi acusado de vender o patrimônio do clube e passar dois centros de treinamentos para o seu próprio nome. Não estava preparado.

RONALDO EM MINAS

Em Minas Gerais, mais um fora de série também entrou nessa empreitada. No ano passado, ao presidir a SAF que dá as cartas no Cruzeiro, Ronaldo Nazário ganhou os holofotes ao reconduzir o time mineiro à elite do futebol nacional.

Neste ano, no entanto, o roteiro tem contornos dramáticos. O time contnua flertando com a zona de rebaixamento e luta para escapar de um novo descenso.

Mas Ronaldo mostra-se mais preparado do que seus colegas de campo. Ele reestruturou financeiramente o clube para pagar as contas e tentar, nesta temporada, sobreviver com um elenco que carece de melhores jogadores. 

Mesmo sendo ídolo do Cruzeiro, a torcida não deixa de cobrá-lo. Ronaldo entende bem o jogo.

Na Espanha, à frente do Real Valladolid também, ele tem mais problemas. Pela segunda vez, desde que Ronaldo Fenômeno comprou 51% das ações do clube, a equipe foi rebaixada no Campeonato Espanhol.

Em setembro deste ano, a torcida chegou a entoar cânticos de protestos, além de mostrar faixas de descontentamento com a administração do ex-centroavante.

O mundo em que Pedrinho e Romário vão entrar é complexo, muito mais do que jogar uma simples partida de futebol. Ambos se dizem preparados para os novos desafios. Romário já tem seus planos para o América. Precisa viabilizá-lo agora.

Pedrinho vai esperar o destino do Vasco para tomar as primeiras providências como presidente.

Fonte: Estadão Conteúdo

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