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Relações Pais e filh@s em tempos de isolamento social: "Acolher é escutar sem julgamento prévio" - Entrevista

“Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério/O  jovem no Brasil nunca é levado a sério”. Os versos da canção de Charlie Brown Jr.e Negra Li apontam como discursos sociais pautados em estereótipos e preconceitos sobre juventude  interditam compreender os processos   complexos  do que é ser adolescente/jovem.

No ambiente familiar, a visão de senso comum reproduzida nas interações de  pais para com @s filh@s pode produzir relações de tensão e inibição de trocas afetivas mais enriquecedoras.

Tensão que poder ser potencializada, ou não, dentro do atual cenário de isolamento social provocado pela pandemia do coronavirus. A convivência cotidiana e suas   rotinas  têm  impacto na saúde mental e emocional  dos integrantes das famílias. Se por um lado,  a oportunidade dessa conjuntura de isolamento pode ser educativa  para ressignificar afetos e a qualidade da interação com filh@s, por outro,  os conflitos já existentes podem ser intensificados.

De acordo com Prof Drº Périsson Dantas do Nascimento, docente da Universidade Estadual do Piauí,  psicólogo Clínico e  psicoterapeuta corporal, o caminho mais adequado para construir relações potentes de compreensão e respeito é “desenvolver estratégias de acolhimento pautada na escuta sem julgamentos dos adolescentes”

Professor  ainda destaca a necessidade da família ter resiliência para  saber respeitar  o espaço emocional d@s adolescentes, buscando não forçá-los a realizar ações sem nexo para dada situação do cotidiano. Também ressalta que acolher implica cultivar senso ético  de empatia.

Acompanhe as reflexões provocativas e sugestivas    do Profº Drº Perisson Dantas na entrevista a seguir:

Pergunta: Inúmeros especialistas da área da saúde psicossocial  têm destacado a importância de cultivar estratégias para lidar com isolamento social em tempos de pandemia. Considerando que contexto familiar é fortemente   impactado pelo isolamento,   como  pais podem desenvolver estratégias interacionais  de acolhimento, respeito e afetos amorosos com filhos/as adolescentes?

Resposta: A melhor forma de desenvolver estratégias de acolhimento é estar disponível para a escuta sem julgamentos des adolescentes. Estamos vivendo um período em que, por questões de sobrevivência mediante um inimigo invisível, que é o Corona Vírus, precisamos nos isolar em casa, quebrando totalmente a rotina, com pouco contato com o mundo externo, situação em que podem ser despertadas angústias, tristeza, ansiedade e, principalmente, muito medo. A adolescência é um momento do desenvolvimento em que o contato com as amizades ganha muita importância, de forma que o contato social é fundamental para sua saúde psicossocial. Com a quarentena, muites adolescentes perderam o contato físico com amigos, tendo somente o recurso da internet para esse fim, o que pode ocasionar um processo de luto: o que é uma demanda de isolamento social imposta externamente, pode tornar-se um isolamento interno, uma dificuldade de externar seus sentimentos. Daí a família precisar ter muita paciência, não invadir o campo emocional des adolescentes com exigências ou forçando-os a fazer coisas e atividades que não fazem sentido para eles naquele momento. Colocar-se à disposição para acolher os sentimentos, de maneira empática, é um grande caminho. Negociar a possibilidade de estabelecer rotinas e atividades conjuntas também é um recurso importante para garantir uma organização psíquica interna, a sensação de que a vida continua a acontecer, mesmo dentro do espaço de casa.

 

Pergunta:  No caso especifico de adolescentes e jovens lgbts, os caminhos de diálogos possíveis e aprendizagens    dos pais para acolher a orientação sexual e identidade de gênero d@s filhas/os se tornam propícios ou ficam mais interditados?

Resposta: Isso vai depender de vários fatores. A resposta para essa pergunta diz respeito ao manejo que a família tem para lidar com eventuais crises, principalmente pensando nesse contexto de pandemia, em que lidar com o medo da morte/adoecimento e a sobrevivência de seus membros acaba tornando-se uma prioridade para o grupo. Estar dentro de casa pode ser, por um lado, muito positivo para algumas famílias; mas para outras pode ser um estressor intenso. Imagine uma família em que as pessoas já tinham conflitos anteriormente, ou uma situação de profundo distanciamento afetivo: provavelmente a proximidade imposta pela quarentena agravará os conflitos, pois muitas pessoas vivem uma vida social intensa justamente para evitar o contato com as dificuldades e situações mal resolvidas no espaço doméstico. No tocante à orientação sexual e identidade de gênero, isso também dependerá de como essa família lida com o afeto e a sexualidade dentro de casa, mesmo antes do contexto social da pandemia.  Fatores como intergeracionalidade (os valores e crenças passados de geração a geração), a relação entre os pais, os papéis familiares, o manejo das fronteiras entre pais e filhos são também fatores determinantes que podem facilitar ou dificultar esse aspecto. Ou seja, não há uma resposta pronta para esse assunto, falar de família envolve diversos aspectos envolvidos e, enquanto profissionais, devemos nos abster de preconceitos para acolher as dificuldades que possam surgir e possibilitar espaços de construção de recursos afetivos para que a família possa acolher as diferenças.

 

Pergunta: Quais seriam as vias de superação de tabus e preconceitos que permitiriam aos pais construir pontes dialógicas   para com os/as filhas/os lgbts?

Resposta: Primeiramente precisamos compreender que não existe família desestruturada, ou seja, filhes LGBTQs não são resultantes de “erros” nos cuidados, ou de conflitos existentes entre os membros familiares. Esse ponto é muito importante, porque muitos pais e mães tendem a sentir culpa, além de um luto pelo filhe idealizade na sociedade heteronormativa e machista que ainda vivemos. Existe ainda uma parcela significativa de pessoas que estão apegadas a papéis rígidos de gênero, do que significa homem e mulher, bem como possuem muitas expectativas narcísicas sobre as crianças, pautadas no paradigma de normalidade associada à heterossexualidade cisgênero. Estamos em um momento angustiante para muitas famílias: as transformações da visibilidade dos diversos tipos de subjetividade no tocante à identidade e expressão de gênero, bem como as orientações sexuais, são sentidas como ameaças à estabilidade social e psicológica das gerações mais velhas. É necessário muita afirmação, diálogo, educação e informação para que condutas violentas possam ser transformadas e novas atitudes sejam assimiladas. E esse trabalho precisa acontecer, principalmente, na ponte entre as escolas e as famílias, de forma a construir projetos de discussão, assistência e acolhimento contínuo das famílias que possuem membros LGBTQs. A relevância de parcerias de organizações sociais como o Matizes, capacitando professores, profissionais de assistência social, de saúde e educação são fundamentais para o progresso dessa transformação na mentalidade social.

 

P.ergunta Até que ponto o uso das mídias digitais podem ser aliadas ou tóxicas para saúde emocional de adolescentes durante as medidas de isolamento?

Resposta: Esse é um ponto que tem sido muito discutido. Autores da psicologia têm estudado sobre essa nova geração que já nasceu sob a influência da internet, definindo-os como os “nativos digitais”. Precisamos também nos abster de preconceitos acerca do uso das ferramentas digitais nesse contexto, até porque em tempos de isolamento social presencial, o contato com o mundo externo se dá exclusivamente pela interação virtual, o que garante um mínimo de sanidade mental para as pessoas. É importantíssimo pensar que, para muitas famílias, o celular é apresentado para as crianças desde bebês, as telas tornam-se as novas babás, distraindo a atenção das crianças em um período decisivo de constituição mente/corpo. A criança vai desenvolvendo seu apego aos objetos, tendo mais contato que com pessoas, e quando adolescentes os pais obviamente terão mais dificuldades de controlar possíveis comportamentos de isolamento e compulsividade. A melhor forma de lidar com isso é, novamente, como enfatizo em todas as perguntas, o diálogo aberto e sem preconceitos dos pais. Educar é negociar, ter tempo para ouvir e falar, abrir-se para compreender, construir limites e explicar valores sociais. Nesse sentido, os pais precisam participar ativamente do consumo des filhes no mundo cibernético: o que estão assistindo? O que estão jogando? Com quem conversam? Quais seus interesses? Somente mantendo uma presença vinculada, pode-se criar espaços de regular o uso da internet e, consequente, ampliar as interações sociais e o contato com o corpo, que é muitas vezes negado, esquecido, nesse contexto. Precisamos reconhecer que a internet é muito atrativa, dá para nosso cérebro gratificações muito imediatas e abrir mão desse funcionamento não é fácil. Mas nenhuma tela substituirá o prazer de um abraço, um olhar, um toque, das sensações de prazer no corpo quando brincamos ou jogamos. Fazer da internet uma aliada, não uma inimiga, é nosso maior desafio na contemporaneidade.

 

 

 

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