Procuro cara assumido, sem
complexo de inferioridade por ser gay, que curta o que quiser na cama, sem
achar mais bonito ser ativo que passivo. Pode ser efeminado ou discretinho, só
não pode reproduzir homofobia e menosprezar quem não é machão. E que tenha consciência
social, sabendo que ainda há muitos direitos a conquistar, além de não ser
racista e nem misógino. Se malhar, que seja por gosto e não por pressão
externa. Que respeite a todos, sem julgar quem “se dá ao respeito” ou não.*
Infelizmente,
essa chamada foi inventada. A rigor, só vemos gays procurando
bem-dotado-dominador-macho-sarado-fora-do-meio. Não é curioso que essas
preferências sejam exatamente as estimuladas pelo machismo, e que no entanto a
justificativa pelo desgosto por tipos diferentes seja sempre “nada contra,
questão de gosto”? Que “gosto” é esse, que se molda em uma cultura de opressão?
Homens são criados para
continuar comandando o mundo. Da mamãe que faz questão de estender a toalha
largada na cama, passando pela educação sexual que manda “pegar geral”. Pelo
salário superior no mercado de trabalho, até o “direito” de reagir
violentamente quando suas vontades ou crenças são desafiadas. Tudo gira em
torno do macho. A construção da masculinidade segue padrões rígidos que vão da
primeira roupinha azul até a obsessão pelo tamanho do pau. O problema é que
essa construção é frágil, ameaçada por qualquer demonstração de “fraqueza”. E
nesse idioma, o afeto – e qualquer coisa que seja lida como “feminina” – vira
sinal de fragilidade ou emasculação.
É por isso que o papel da
BICHA é tão baixo, tão ofensivo. É o homem abrindo mão de alguns dos seus
privilégios – é impossível abrir mão de todos, já que o gênero masculino os
carrega por si – para se nivelar por baixo. É como se a bicha desafiasse a
estrutura de poder somente por existir. E uma ameaça deve sempre ser eliminada,
seja a socos e lampadadas, seja através da desumanização provocada pela
exclusão social.
Só que há gays que resistem.
São bichas destruidoras mesmo, viu viado?
São os homens que andam de
salto ou com maquiagem, que respondem às ofensas com um arquear de
sobrancelhas. São os lírous, que levantam suas patas e batem o cabelo – mesmo
quando o picumã é imaginário – ao som de Beyoncé. São os funkeiros, que se
jogam no chão de perna aberta. Não admitem mimimi homofóbico e VRÁÁÁ, fecham! O
quê? O tempo, meu amor!
O choro é livre e nada é
mais hidratante que as lágrimas das inimigas. Apropriam-se de termos, criam
linguagem própria e um andar específico, que desconstrói as prisões do gênero.
Se libertam dessa hipermasculinidade tão incensada e tão insensata, que se
julga séria, mas foi inventada. São os xingados, os agredidos, os não curtidos
e não procurados. Eles são considerados uma vergonha e responsabilizados por
todo o mal que nos aflige. Não “se dão ao respeito”. Por isso, esses caras
lacram.
Respeito não se pede e nem
se conquista, é um direito universal. Desde a criação da identidade gay – essa
caixa na qual foram colocados os mais variados tipos de homossexuais – existe
uma guerra por aceitação. Um grito urgente de “estamos aqui, somos assim e
fazemos parte da sociedade também”. Adequar-se aos padrões do mainstream talvez
seja uma escolha válida em âmbito pessoal, para alguns, mas resistir ao status
quo também é preciso. Não há nenhum desrespeito em não se deixar invisibilizar
por normas machistas de comportamento e desejo.
Ninguém quer esse TIPO de
gay porque ele é viado, é bicha, é boiola, é baitola e mulherzinha. É o filho
do vizinho. Se for nosso, é homossexual. Esse “gay ideal” que é um cidadão
comum, sem trejeitos, que não faz alarde de sua vida e que jamais ofenderia a
sociedade com demonstrações públicas de afeto. É aquele amigo culto que você
nem diz que “por acaso é”. É aquele gay inofensivo que fica muito revoltado
quando uma bichona joga sua reputação na lama.
Para começo de conversa, a
homofobia é culpada por privar os sujeitos de sua identidade. Sempre que o
indivíduo homossexual faz alguma coisa, o julgamento é de que a homossexualidade
é a causa. Se ele é criminoso, é porque esses viados são uns degenerados. Se
ele é educado, é porque esses gayzinhos são tão bonzinhos. E isso faz tanto
sentido quanto dizer que todo brasileiro é malandro…
Ninguém foi educado para
aceitar o diferente. Fomos educados a temer e a reprimir – às vezes com
violência – o que ameaça a nossa zona de conforto. É por isso que nem os
próprios gays aceitam sua diversidade. Acontece que nós somos muitos, todos
diferentes. Aceita, que dói menos.
Drags, gírias, lápis no
olho, passos de dança… São gritos de resistência! É a cultura que lutou para
que gays pudessem até se casar, adotar crianças e viver discretamente atrás de
cercas brancas, e que agora se recusa a morrer engolida por suas conquistas.
Todos querem aceitação, mas ela não pode vir com imposições. É para aceitar,
não para tolerar.
By the way, quem só come
também é viado.
Liberte-se, seja qual for o
seu caminho. Nós não devemos nada por sermos quem somos. E isso é fabuloso!
Fonte:Os Entendidos