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Juízes empregam ‘constelação familiar’ para tratar vícios e recuperar presos

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José Antônio foi julgado e condenado a seis meses de detenção após se envolver em uma disputa por um poço em uma comunidade no Ceará, estado que há seis anos enfrenta uma estiagem severa. O rapaz é líder comunitário defendia a permanência do uso coletivo da água pelos moradores da localidade em um incidente em que um advogado se apossou da fonte.

José Antônio é o nome fictício de um jovem réu primário que cumpre pena prestando serviços comunitários e tenta entender a reviravolta em sua vida em sessões de ‘constelação familiar’, técnica alemã cada vez mais utilizada pela Justiça na solução de conflitos.

A história do jovem e as circunstâncias de sua detenção foram relatadas pela juíza Maria das Graças Quental, titular da Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas, em Fortaleza, uma das responsáveis pelo programa “Olhares e Fazeres Sistêmicos no Judiciário” no Ceará.

O programa, considerado uma das boas práticas da Justiça Estadual, usa a técnica da ‘constelação familiar’ no atendimento aos jurisdicionados. A magistrada conta que as sessões de ‘constelação’ ajudaram a levar alento ao jovem no entendimento de que há uma pena a cumprir, ainda que ele se sinta injustiçado.

“Ele foi condenado e ficou extremamente revoltado. Então, eu disse, vamos fazer assim: você vai usar seu tempo de pena para estudar e prestar serviços à comunidade e entender o que aconteceu para que isso não se repita”, lembrou a juíza Quental. 

Constelar para tratar a revolta 
A conversa da juíza com o jovem ocorreu durante uma audiência em que a ela o convidou a participar da ‘constelação familiar’. A magistrada explicou, ainda, que o tempo de participação nas sessões será usado para reduzir a duração da pena.

Maria das Graças conta que essa é a situação de centenas de jovens que se tornaram réus primários envolvidos em fatos em que são marcantes a condição da estrutura familiar, a baixa escolaridade e as condições de pobreza. Some-se a isso, diz a juíza, os sentimentos de revolta e abandono que sentem ao serem encarcerados.

A técnica tem sido usada entre cumpridores de alternativas penais a fim de evitar que reincidam no crime, oferecendo uma oportunidade para que entendam os motivos que os levaram a delinquir.

 “A maioria deles sucumbiu à droga, mas são réus primários com bons antecedentes. São jovens que não fazem parte de organização criminosa, não apresentam periculosidade e que precisam ser atendidos para não se tornarem reincidentes”, observou a juíza.

Tratamento do vício 

Em Santa Catarina a ‘constelação familiar’ vem sendo usada entre presos com problemas com drogas e que tenham conflitos familiares.  A iniciativa é apoiada pela Vara da Família do Norte da Ilha de Florianópolis e que também se notabiliza como uma boa prática da Justiça Estadual. 

Nesse trabalho conduzido com detentos da Casa do Albergado Irmão Uliano e do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, as sessões são usadas para que as pessoas privadas de liberdade entendam que os conflitos que as levaram ao cárcere tiveram origem em padrões familiares de comportamento.

 

 “O Direito é transdisciplinar e se vale da psicologia, da sociologia e da antropologia e de qualquer outra experiência de transformação do conflito”, comenta a professora de Direito da Universidade do Vale do Itajaí e pesquisadora Márcia Sarubbi, responsável por conduzir as sessões de ‘constelação familiar’ na Casa do Albergado e no Hospital de Custódia.

Ela é, juntamente com Fabiano Oldoni, autora do livro Constelação Sistêmica na Execução Penal, em abordagem sobre práticas sistêmicas no direito de família e na violência doméstica.Na Casa do Albergado, as sessões são individuais, abrangendo 50 detentos com idades entre 20 e 50 anos.

“Até o presente momento, em relação aos que aplicamos na dinâmica da ‘constelação’ e que foram para a rua, nenhum deles voltou a delinquir e todos relatam melhora nas relações com os familiares”, diz Sarubbi.

Entre os atendidos está Paulo Henrique, nome fictício de um homem de 30 anos condenado por homicídio e que fala (em vídeo) sobre os efeitos da sessão de ‘constelação familiar’. Ele relata que tinha um relacionamento complicado com a mãe e o irmão. A técnica o ajudou a perceber esse problema, propiciando a reconciliação e uma melhor estrutura familiar no enfrentamento do encarceramento. 

“A constelação me ajudou a tirar um peso que estava carregando, alguns porquês foram respondidos. Me ajudou a me manter mais calmo e a entender que tudo é um processo”, diz o ‘constelado’ Paulo Henrique, que cumpre pena em Florianópolis.

Problemas mentais No Hospital de Custódia, o atendimento é feito em um grupo com 20 a 30 detentos criminosos com problemas mentais. São homens condenados por estupro, homicídios (incluindo o de familiares) e roubo com quadros de esquizofrenia, psicopatia e depressão em perda da sanidade mental por uso intenso de álcool e drogas.

 Nesse grupo, a ‘constelação familiar’ é usada por integrantes do Judiciário a fim de que os detentos compreendam o vício como um propulsor de crimes. A partir da técnica é feito um trabalho com os presos mostrando que eles pertencem a uma família e à sociedade.

Num segundo momento, as sessões de ‘constelação’ trabalham o sentimento de aceitação da família de origem e o entendimento dos motivos que os levaram a se tornar viciados e criminosos. “Seja para uma pessoa na cadeia ou para um casal que está se divorciando, esses são momentos de dor e, ao mesmo tempo, de cura.

E o Direito vai ao encontro da terapia e promove o reencontro das partes para que a gente trate o conflito e haja pacificação social”, enfatiza Márcia Sarubbi.


Fonte: CNJ

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