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A dimensão jurídica do acesso à energia

Créditos: Anete Lusina

O estabelecimento e a quantificação das necessidades básicas do ser humano vêm sendo há algum tempo debatidas por economistas e planejadores. Contudo, a maioria concorda que os programas de atendimento das necessidades básicas deveriam garantir padrões mínimos de nutrição, habitação, saúde, vestuário, educação, condições sanitárias e trabalho decente. Embora a energia elétrica não esteja mencionada nessa lista, o atendimento de cada necessidade básica implica consumo deste recurso (GOLDEMBERG, 2010; WHITTON et al., 2015). Uma vez que o acesso à energia elétrica pode ser concebido como uma condição essencial para que a população alcance melhores condições de vida, é possível apresentar a relação desse tema com as legislações que abordam os direitos fundamentais, tanto em âmbito nacional como internacional.

Assim, as discussões atuais acerca do tema têm admitido o acesso à energia elétrica como condição para a concretização da dignidade da pessoa humana, tema sobre o qual versam tantos tratados, leis e constituições. Dessa forma, apesar de o assunto não figurar explicitamente entre os termos das leis, percebe-se que tal direito também faz parte desses dispositivos legais. Nesse contexto, segundo o art. 3º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos: "ninguém deve ser submetido a tortura ou a tratamento ou a punição desumana ou degradante”. Se partirmos da ideia de que o acesso à energia elétrica de qualidade é uma das condições para a dignidade humana, torna-se claro que o assunto tem sido abordado - ainda que indiretamente - em importantes instrumentos normativos. Outro documento importante no cenário internacional é o chamado "Electricity Directive" 2009/72, que traz o dever dos Estados-membro de oferecer acesso à energia elétrica de qualidade e a preços acessíveis, reduzindo a desigualdade que existe em relação a esse direito importante. Além disso, também é importante a visão que traz acerca da compreensão dessa questão como uma das nuances dos direitos humanos. O Departamento Internacional de Desenvolvimento do Reino Unido também defende a compreensão do acesso à energia como questão de direitos humanos.

No âmbito nacional, uma análise do texto da Constituição Federal de 1988 revela um alinhamento de seu preâmbulo com o que foi discutido sobre os dispositivos anteriormente, posto que atribui ao Estado Democrático brasileiro a responsabilidade de promover e assegurar o desenvolvimento da sociedade. Além disso, o art. 1°, III versa sobre o Estado Democrático de Direito e institui a dignidade da pessoa humana como uma de suas bases, o que perpassa todas as condições entendidas como necessárias para a efetividade desse ideal, incluindo os benefícios alcançados a partir de um correto provimento de energia elétrica de qualidade (tais como educação, lazer, saúde, etc.). Em seu art. 3°, II dispõe sobre a garantia do desenvolvimento nacional, que também está relacionado com o tema debatido, conforme analisado. Outros artigos importantes trazidos pela CF/88 são o art. 22, que institui a União como o ente responsável pela elaboração de leis e demais dispositivos legais relacionados a água, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão. Além disso, o art. 175 também merece destaque, porque trata do fornecimento de energia elétrica, que o Poder Público deve oferecer/garantir.

Além disso, a necessidade de fontes alternativas renováveis para a produção de energia elétrica no cenário nacional também está alinhada àquilo que é disposto no art 225 da Constituição Federal de 1988, segundo o qual: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." É perceptível, portanto, que o acesso à energia elétrica no cenário contemporâneo está elencado entre uma das necessidades essenciais para a materialização de direitos, os quais são tão discutidos e amparados pelas leis, nacional e internacionalmente. Para além do texto constitucional, um marco muito importante para o contexto da legislação sobre energia elétrica no Brasil é a lei através da qual foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), trata-se da lei n° 9.427/96. A ANEEL é responsável por regular o setor de eletricidade brasileiro. Nesse sentido, é importante novamente citar a criação do Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica, o Luz Para todos, como ficou conhecido. O decreto que o institui data do ano de 2003 e tinha por fim uma maior universalização do acesso à energia elétrica, envolvendo as camadas da população mais vulneráveis socialmente, como a parcela que residia em meio rural, por exemplo.

A Lei n° 10.438/2002 também não pode deixar de ser apontada nessa análise, pois foi a partir dela que foi criado o PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), o qual visa a aumentar a participação de fontes renováveis para a produção de energia elétrica. Outras leis brasileiras também possuem um enfoque maior nas questões envolvendo o setor elétrico, como a Lei n° 9.487/97, que trabalha as soluções para o oferecimento de energia às diversas regiões do país; a Lei n° 9.991/2000, que trata sobre o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento em relação à eficiência energética; a Lei n° 10.438/2002, a qual se volta para o estabelecimento da Tarifa Social de Energia (sendo importantíssima para o cenário brasileiro, intensamente marcado pela desigualdade social). Além das referidas leis, existem muitos outros dispositivos legais que versam sobre o assunto. A partir dessa visão mais ampla, é possível perceber o impacto que tais medidas possuem para a distribuição de energia no cenário nacional, no sentido de aumento da eficiência na produção e distribuição e também na redução de desigualdades.

 

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