Cidadeverde.com

Da Necessidade de Regulamentação da Transação Tributária pelo Estado do Piauí

 

Por André Chaves

A transação tributária é uma importante ferramenta de negociação de débitos tributários, que se encontra prevista no Código Tributário Nacional desde 1966 (arts. 156, III, e art. 171, da Lei nº 5.172).

Embora prevista há bastante tempo, somente com a edição da Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020, que esse instituto foi regulamentado no âmbito federal. Referida legislação estabelece os requisitos e as condições para que a União, as suas autarquias e fundações, e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária.

A transação tributária representa um importante mecanismo de resolução de conflitos fiscais, permitindo que o Estado e os contribuintes possam, mediante concessões mútuas, extinguir litígios ou prevenir litígios futuros relativos à cobrança de tributos. 

Desde a sua regulamentação e implementação no âmbito federal, esta modalidade de solução de controvérsias tributárias vem demonstrando significativos benefícios, tanto para a administração pública quanto para os contribuintes, promovendo a regularização de créditos tributários em condições que observam a capacidade contributiva e fomentam a atividade econômica.

O grande diferencial das transações tributárias é que esses acordos levam em consideração particularidades e a situação econômica dos contribuintes ou da própria dívida. Ou seja, as condições de negociação podem variar conforme a situação de cada contribuinte, diferentemente do que ocorre nos parcelamentos especiais (popularmente conhecidos como “REFIS”).

Além disso, a transação pode abranger diversas concessões, inclusive descontos sobre o débito principal, prazos estendidos e formas de pagamento especiais. 

Por exemplo, no âmbito federal, existem editais em aberto que preveem a possibilidade de transação para débitos de “pequeno valor”, ou débitos considerados “de difícil recuperação ou irrecuperáveis”[1]. Ainda, alguns editais possibilitam a regularização por outras forma de pagamento, como a utilização de precatórios federais e/ou saldo negativo de IRPJ ou CSLL.

Segundo dados da PGFN em Números 2023[2], a PGFN conseguiu recuperar R$ 39,1 bilhões em dívidas com a União e com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O resultado de recuperação da dívida ativa em 2022 cresceu mais de 20% em relação ao ano anterior (R$ 31,7 bilhões).

Observa-se que a experiência acumulada tanto na União como em outros entes federativos demonstra a eficácia da transação tributária como ferramenta de justiça fiscal, aumentando a arrecadação sem, contudo, recorrer ao incremento da carga tributária ou à adoção de medidas coercitivas para recuperação de créditos. A flexibilização na resolução dos conflitos tributários, proporcionada por esse instituto, alinha-se aos princípios da eficiência administrativa e da promoção do desenvolvimento econômico sustentável.

Seguindo essa tendência, recentemente a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) publicou (07/02/2024) a regulamentação[3] do programa Acordo Paulista, instituído pela Lei Estadual 17.843/2023, e também o primeiro edital[4] do programa, voltado a contribuintes com débitos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) inscritos em dívida ativa.

O Edital da PGE/SP, além de oferecer 100% de desconto em juros de mora, permite o pagamento dos débitos de ICMS inscritos na dívida ativa com 50% de desconto em multas, podendo quitar o débito em uma parcela única ou até 120 parcelas, corrigidas mensalmente pela Selic, mediante pagamento de uma entrada de 5%. 
Também está prevista no edital a possibilidade de os contribuintes utilizarem precatórios, créditos acumulados de ICMS e créditos do produtor rural para a quitação de até 75% do saldo total.

Observa-se, portanto, que as condições de pagamento oferecidas pelo edital de transação são bem mais atrativas do que os parcelamentos especiais que veem sendo regulamentados.

O último REFIS implementado pelo Estado do Piauí, por exemplo, teve condições bastante engessadas para parcelamento de débitos ICMS. É o que se verifica a seguir, no art. 12, da Lei nº 8.201/2023:

Art. 12. O crédito consolidado poderá ser pago:

 I - em parcela única, com redução de até 95% (noventa e cinco por cento) dos juros e das multas punitivas e moratórias;

II - em até 3 (três) parcelas, com redução de até 90% (noventa por cento) dos juros e das multas punitivas e moratórias;

III - em até 6 (seis) parcelas, com redução de até 80% (oitenta por cento) dos juros e das multas punitivas e moratórias;

IV - em até 12 (doze) parcelas, com redução de até 70% (setenta por cento) dos juros e das multas punitivas e moratórias;

V - em até 90 (noventa) parcelas, com entrada mínima de 20% (vinte por cento) do valor total do crédito tributário.

 

Como se vê, os descontos relevantes sobre juros e multas somente se aplicavam para negociações em até 12 parcelas, o que na prática não estimula qualquer negociação por parte dos contribuintes em difícil situação. Além disso, o percentual de 20%, exigido como entrada para o parcelamento em maior quantidade de parcelas, também não facilita a regularização.

Nesse sentido, consideramos de suma importância que o Estado do Piauí avance na regulamentação da transação tributária, adaptando-a à tendência nacional da resolução de litígios tributários, bem como realidade fiscal estadual e às necessidades de seus contribuintes. 

Ainda mais porque, não se pode esquecer que os litígios ocasionados por execuções fiscais são os responsáveis pelo maior congestionamento do poder judiciário, que além de estenderem longamente, sem eficácia, oneram demasiadamente o Estado[5].

Portanto, a implementação deste mecanismo no âmbito estadual não apenas fortalecerá a relação entre a Fazenda Pública e os contribuintes, mas também estimulará a conformidade fiscal, a recuperação de créditos de difícil recuperação e a redução do contencioso administrativo e judicial.

 

[1] https://www.gov.br/pgfn/pt-br/servicos/orientacoes-contribuintes/acordo-de-transacao

[2] https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/noticias/2023/pgfn-em-numeros-2023-ja-esta-disponivel-na-internet

[3] https://www.doe.sp.gov.br/executivo/procuradoria-geral-do-estado/disciplina-a-lei-n-17843-de-7-de-novembro-de-2023-na-parte-em-que-202402071110110122383

[4] https://www.doe.sp.gov.br/executivo/procuradoria-geral-do-estado/edital-pge-transacao-n-01-2024-202402071310134122796

[5] Segundo o Relatório Justiça em Números 2023 do CNJ, foram relatadas mais de 27 milhões de execuções fiscais no ano de 2022, em um cenário de endividamento de aproximadamente R$ 80 milhões. A taxa de congestionamento do Poder Judiciário impactada pelas execuções fiscais chega a 88%. Isso significa que, a cada 100 processos em tramitação, somente 22 foram baixados no ano.

Você pode receber direto no seu WhatsApp as principais notícias do CidadeVerde.com
Siga nas redes sociais
Tags: