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Primeiras Impressões sobre a Lei de Transação Tributária do Piauí

Por André Chaves e Beatriz Viana[1]

Em consonância com a tendência nacional de resolução de litígios tributários, o Governador do Estado do Piauí sancionou, no dia 29 de maio de 2024, a Lei Complementar nº 297, que dispõe sobre a extinção, por transação judicial, de créditos tributários objeto de execução fiscal e inscritos em dívida ativa.

Referida legislação foi editada com base no permissivo legal do art. 171, do Código Tributário Nacional (CTN), que dispõe que a pode lei facultar, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, a celebração de transação que, mediante concessões mútuas, importem em determinação de litígio e extinção do crédito tributário. O CTN prevê, ainda, a transação com uma das modalidades de extinção do crédito tributário, nos termos do art. 156, III, CTN.

A transação tributária consiste, portanto, em modelo consensual de resolução de conflitos que busca otimizar a arrecadação tributária e aproximar o Fisco do contribuinte. Para o fisco, ela proporciona uma alternativa eficaz de recuperação de créditos tributários, reduzindo a morosidade e os custos associados aos processos de execução fiscal. Já para os contribuintes, a transação tributária representa uma oportunidade de regularizar débitos fiscais com condições mais favoráveis, como a redução de multas e juros, além de prazos de pagamento mais alongados. 

No âmbito federal, a transação tributária encontra-se regulamentada desde a edição da Lei nº 13.988/2020. Em âmbito estadual, destaca-se a experiência do Estado de São Paulo, que no final de 2023, publicou a Lei Estadual nº 17.843/23 e, posteriormente, a Resolução da PGE nº 6/2024, implementando a transação tributária no referido estado.

Fortemente aguardada no estado do Piauí[2], a LC nº 297/2024 atribui competência à Procuradoria-Geral do Estado para que, em juízo de conveniência e oportunidade, celebre transação resolutiva de litígios.

A lei prevê, no seu art. 3º, a possibilidade de duas modalidades de transação: (i) por adesão, nas hipóteses em que o devedor aderir ou a parte adversa aderir aos termos e condições estabelecidas em edital publicado pela Procuradoria-Geral do Estado do Piauí; e (ii) por proposta individual, de iniciativa do devedor ou da Procuradoria-Geral do Estado (PGE). 

Atenção especial deve ser dada ao art. 5º, que dispõe que o devedor interessado em celebrar o instituto deve indicar os meios para a extinção dos créditos nela contemplados, além de assumir os seguintes compromissos mínimos:  (i) não alienar nem onerar bens ou direitos apresentados em garantia de cumprimento da transação sem a devida comunicação à PGE; (ii) não utilizar pessoa natural ou jurídica interposta para ocultar ou dissimular a origem ou a destinação de bens, direitos e de valores, os seus reais interesses ou identidade dos beneficiários de seus atos, em prejuízo do estado do Piauí;  (iii) desistir de impugnações ou dos recursos administrativos que tenham por objeto créditos incluídos na transação e renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem as referidas impugnações ou recursos; e (iv) renunciar aos direitos sobre os quais se fundem ações judiciais, inclusive as coletivas, ou recursos que tenham por objeto os débitos incluídos na transação. 

Destaca-se que a proposta de transação, por qualquer modalidade, não suspende a exigibilidade dos débitos a serem transacionados nem o andamento das respectivas execuções fiscais, devendo o contribuinte estar ciente que os débitos abrangidos pela transação somente serão extintos quando integralmente cumpridas as condições previstas no respectivo termo, edital e regulamento. 

Quanto aos benefícios que podem ser concedidos pelo ente público para viabilizar a negociação, o art. 7º da LC nº 297/2024 dispõe que poderão ser aplicadas uma ou mais das seguintes transigências:

I - dispensa até o limite de 65% (sessenta e cinco por cento), exclusivamente, de multas e juros de mora, incidentes sobre débitos inscritos em dívida ativa, conforme critérios estabelecidos nos termos do inciso V do caput do art. 11 desta Lei, quando o pagamento ocorrer no ato da subscrição do instrumento ou em até trinta dias, não podendo em nenhuma hipótese atingir o valor do imposto devido; 

II - prazos e formas de pagamentos especiais, incluídos o diferimento de pagamento, o parcelamento e a moratória, conforme critérios estabelecidos nos termos do inciso V do caput do art. 11 desta Lei, permanecendo a execução suspensa durante todo o período e enquanto se mantiver a pontualidade no recolhimento das parcelas; 

III - substituição ou alienação de garantias e de constrições; e 

IV - utilização de créditos líquidos, certos e exigíveis, próprios ou adquiridos de terceiros, consubstanciados em precatórios decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado e não mais passíveis de medida de defesa ou desconstituição, conforme reconhecidos pelo Estado, suas autarquias, fundações e empresas dependentes, para compensação da dívida principal, da multa e dos juros, limitados a 75% (setenta e cinco por cento) do valor do débito.

(...)

 

Veja-se que a primeira possibilidade de concessão dispõe sobre descontos sobre as multas e juros de mora, com limitação de até 65%. Entende-se que esta limitação pode comprometer a eficácia e força da transação tributária como instrumento de recuperação fiscal, pois pode não ser suficientemente atrativa para os contribuintes em situação financeira mais delicada. Ainda mais considerando que os REFIS estaduais costumam oferecer descontos de até 95%, como é o caso do último programa instituído pela Lei nº 8.201/2023. 

Desse modo, a alternativa pela qual a PGE poderá deixar a transação mais atrativa será mediante a oferta de parcelamentos mais extensos do que usualmente são ofertados nos programas de recuperação de créditos tributários. Haja vista que normalmente os parcelamentos especiais, com descontos significativos (entre 70% e 95%), normalmente só possibilitam o pagamento em até 12 parcelas. 

Por outro lado, a legislação traz duas boas possibilidades para os contribuintes. 

A primeira é a possibilidade de substituição das garantias que, de forma louvável, a legislação trouxe ampla previsão, aceitando quaisquer modalidades de garantia previstas em lei, inclusive garantias reais ou fidejussórias, seguro garantia, cessão fiduciária de direitos creditórios, alienação fiduciária de bens imóveis bem como créditos líquidos e certos do contribuinte em desfavor do Estado do Piauí, reconhecidos em decisão transitada em julgado.

A segunda é a permissão para a utilização de precatórios próprios ou adquiridos de terceiros para a compensação da dívida total, limitados a 75% do valor do débito. Trata-se de uma medida que traz um benefício mútuo, considerando que permite aos contribuintes a utilização créditos perante o Estado, que demoram longos anos a serem pagos e, ao mesmo tempo, possibilita ao Estado quitar as suas dívidas mediante compensação.

Quanto aos critérios a serem estabelecidos para os contribuintes fazerem jus às concessões, o § 5º, do art. 7º, estabelece que os descontos devem ser fixados em razão inversamente proporcional ao grau de recuperabilidade das dívidas. Assim, as dívidas com pouca probabilidade de recuperação terão descontos maiores, conforme regulamento a ser editado por ato do Procurador-Geral do Estado.

Dito isto, verifica-se que a discricionariedade administrativa repousa essencialmente no estabelecimento dos critérios para aceitação do instituto e dos parâmetros para a concessão de descontos nas propostas, pois são justamente essas decisões que definem quem poderá aderir e quais descontos poderão ser concedidos, de acordo com a análise da capacidade de pagamento do contribuinte transigente. 

Pelo exposto, em que pese algumas críticas e necessidade de aprimoramento, depreende-se que, com a edição da LC nº 297/2024, foi dado indispensável passo para a utilização desse mecanismo de mútuas concessões no Estado do Piauí, proporcionando a solução de litígios tributários e viabilizando a extinção do crédito mediante moratórias, parcelamentos, além de descontos nos valores de multa e juros de mora

 

[1] Beatriz da Costa e Silva Viana. Advogada e Procuradora do Distrito Federal, atuando junto à Procuradoria Fiscal. Pós-graduada em Direito Público pela UCAM e associada ao Instituto Piauiense de Direito Tributário (IPDT).

[2] https://cidadeverde.com/tributarioemfoco/125482/da-necessidade-de-regulamentacao-da-transacao-tributaria-pelo-estado-do-piaui

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