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CRIMES FUNCIONAIS DO DECRETO-LEI 201/1967.

 

JOSINO RIBEIRO NETO

CRIMES FUNCIONAIS DO DECRETO-LEI 201/1967.

O advogado GILVAN CARNEIRO DE ANDRADE FILHO, produziu trabalho jurídico, que resultou numa “ANÁLISE SANCIONATÓRIA“  referente aos crimes funcionais de Prefeitos e Vereadores, apenados com as regras do DECRETO-LEI 201/1967. 

A coluna acolhendo o judicioso trabalho transcreve,  na integra, para conhecimento dos leitores.

 

“CRIMES FUNCIONAIS DO DECRETO-LEI 201/1967: UMA ANÁLISE SANCIONATÓRIA

Desde tempos não tão recentes, o saudoso Jô Soares já bradava, em tom irônico, que "a corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa". Esta critica, carregada de irreverência e conotação política, reproduz não apenas o pensamento do astuto humorista, como também a convicção de grande parte dos brasileiros.

De fato, temos que outorgar certa razão a este discernimento, caso contrário, estaríamos fechando os olhos para 522 anos de história tupiniquim. Mais que isso, seria difícil conceber a existência de uma sociedade absolutamente imune à corrupção, afinal, como bem ponderou Ernani Carvalho (cientista político da UFPE), a corrupção é algo inerente ao próprio ser humano.

Porém, há de se destacar que a grande recorrência desses episódios em solo pátrio, acarretou uma maior cobrança popular por leis que amenizem essa problemática, o que, por sua vez, se refletiu em um esforço legislativo concentrado na criação de verdadeiros escudos normativos para o patrimônio público.

A consequência disso é que, hoje, o Brasil conta com um amplo arcabouço normativo no que se refere a este tema, o qual tem permitido um esforço organizado na repreensão a estes atos, que se espraia pela seara legal, judicial, fiscal e executiva.

À vista disso, um guardião do patrimônio público tem se destacado por sua incansável batalha contra a corrupção: o Decreto lei 201. de 27 de fevereiro de 1967, cuja conceituação foi muito bem explicitada no Semanário Jurídico de 09 de março 2023.

Na ocasião, Josino Ribeiro Neto, de maneira franca e assertiva, dissecou o referido compêndio legal, identificando sua origem (Revolução de 1964), seus defeitos (punitivismo monocular, voltado unicamente para Prefeitos e Vereadores, a despeito de gestores e legisladores federais e estaduais), suas virtudes (estabelece regras substantivas adjetivas, atinente aos ilícitos atinentes à responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores), e sua organização (o art. l° disciplina os ilícitos penais, enquanto o art. 4° disciplina as infrações politico-administrativas).

Não obstante a completude destas ponderações, o caráter abrangente do tema permite a prolação de algumas outras considerações, mais acessórias, porém não menos importantes, que o renomado jurista reservou para este Semanário, atinentes aos aspectos sancionatórios dos crimes funcionais elencados no art. I° do Decreto-lei 201/1967.

Sobre este artigo de lei, cabe prenunciar que, apesar de seu texto fazer menção a "crimes de responsabilidade", esta não é sua melhor definição. Isto, porque crimes de responsabilidade seriam as condutas que caracterizam infrações político-administrativas, de caráter não penal, que sujeitam seu autor, em regra, à suspensão dos direitos políticos e à perda do cargo ou mandato.

Tal definição caberia aos tipos descritos no art. 4° d: referido Decreto-Lei (infrações político-administrativas), mas não aos tipos descritos no art. I°, cujo teor é eminentemente criminal. Assim sendo, estes últimos seriam melhor definidos como "crimes funcionais", ou seja, infrações penais que têm, como sujeito ativo, o funcionário público (no caso, o prefeito municipal), tipificando condutas sujeitas a julgamento pelo Poder Judiciário e cominando as respectivas sanções penais.

Estes crimes acabam por acarretar uma penalização mais severa, pois, além de demandar a perda do cargo (ou a inabilitação pelo prazo de 5 anos para o exercício do cargo ou função pública) e a reparação civil do dano causado ao patrimônio (público ou particular), também podem suscitar a aplicação de penas privativas de liberdade, seja por reclusão de 2 a 12 anos (nas hipóteses dos seus incisos 1 e II, ou por detenção de 3 meses a 3 anos (nas hipóteses dos seus incisos III a XXIII.

Tomando por base o montante destas penas, a jurisprudência tem entendido que estes crimes não são considerados de menor potencial ofensivo para efeitos de transação penal. Por outro lado, se a penalidade aplicada for a de detenção (art. ]° incisos III a XXIII do Decreto-lei 201/67), é possível a aplicação da suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/1995.

De todo modo, deve-se ter em mente que quem julgará estes aspectos sancionatórios será, em regra, o Tribunal de Justiça de cada estado, que seguirá o rito processual comum, restando aos Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunais Regionais Federais, o jugo de crimes eleitorais, políticos, ou de delitos praticados em detrimento de serviços, bens ou interesses da União.

Porém, tal regra não é absoluta, haja vista que a perda do mandato eletivo do prefeito faz cessar a competência penal originária do Tribunal (em virtude do cancelamento da súmula 394 do Supremo Tribunal Federal - STF). Assim, se o processo for instaurado após a extinção do mandato do prefeito, este seria competência da primeira instância, conforme juízo das súmulas 703 do STF, e 164 do Superior Tribunal de Justiça - STJ.

Ademais, estes crimes podem ultrapassar a pessoa do prefeito, alcançando, até mesmo, os terceiros que tenham cometido o ilícito em concurso de pessoas com ele (nesse caso, a regra é que ocorra desmembramento do processo, sendo permitido o julgamento conjunto apenas em casos excepcionais).

Diante disso, o que se verifica é que tais penalidades, por si só, já seriam perfeitamente capazes de repreender qualquer um que, por ventura, viesse a desrespeitar o patrimônio público, mas o ordenamento jurídico brasileiro foi mais além, e estabeleceu, ainda, que a condenação por crimes de responsabilidade não impede que também seja imputada, aos prefeitos, a sanção por ato de improbidade (conforme deliberado no RE 976566, que deu origem à Tese de Repercussão Geral 576 do STF).

Tudo isso revela a severidade e abrangência dos crimes de responsabilidade, cujas sanções superam a seara político-administrativa, alcançam a seara criminal, se estendendo ao prefeito (mesmo após o fim do seu mandato) e a quem mais tenha incorrido nos seus ilícitos.

Perante este vasto arsenal de normas, castigos e amarras que a sociedade pode se utilizar para coibir as atitudes que lhe sejam prejudiciais, há de se reconhecer que a vida política, mais do que nunca, tem demandado limpidez e atenção redobrada, afinal, como bem disse John Andrews Fitch: "Possuir grande poder pode não ser crime. Mas grande poder está ligado a grande responsabilidade quanto ao uso que é feito dele"

GILVAN CARNEIRO DE ANDRADE FILHO é mestre em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2023), e pós-graduado em Direito Público (2014) e Direito Privado (2015) pela Universidade Federal do Piauí. É advogado, professor do Curso de Pós-graduação em "Direito Médico e Proteção Jurídica à Saúde" da Escola do Legislativo do Estado do Piauí, e membro do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro.

O titular da coluna agradece a colaboração do advogado GILVAN CARNEIRO DE ANDRADE FILHO, autor do judicioso trabalho de rico conteúdo doutrinário, que será de considerável proveito para os leitores do SJ.

 

 

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