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O impacto da Lei 14120/2021 no setor elétrico

Crédito: Ekaterina Bolovtsova

No último mês de março a Medida Provisória 998/2020 foi sancionada pelo Presidente da República e passou a ter força de lei, mais precisamente a Lei 14120/2021. Abordarei aqui três pontos capitais trazidos pela referida lei. O primeiro ponto trata do incentivo à pesquisa. Toda empresa que gera ou distribui energia elétrica é obrigada a destinar 0,5% do seu lucro para o financiamento de projetos de pesquisa e desenvolvimento de produtos voltados para o setor elétrico bem como de projetos de eficiência energética. A Lei 14120/2021 retira 30% os recursos que tinham esta finalidade e transfere os mesmos para a Conta do Desenvolvimento Energético (CDE). Os recursos da CDE são utilizados para subsidiar consumidores de baixa renda, consumidores rurais que pagam uma tarifa menor e, por fim, para suprir as despesas de algumas concessionárias de energia elétrica. Com a redução no consumo de energia durante a Pandemia, algumas concessionarias alegaram que tiveram prejuízos financeiros, sendo necessário a realização de empréstimos bancários para manter seu funcionamento. Parte dos recursos da CDE são utilizados para socorrer estas empresas. Na nossa avaliação, a redução dos investimentos em P&D e em eficiência energética se configura como erro estratégico, uma vez que ao se investir nestes segmentos fomentam-se ações de inovação desenvolvidas por pesquisadores (docentes, técnicos e discentes) no âmbito das universidades.  Em 2021 a redução de 30% representa 2,3 bilhões de reais, os quais passam a integrar os 24 bilhões de reais destinado à CDE ao longo deste ano. O procedimento está previsto para acontecer anualmente até 2025.

O segundo ponto trata da Energia Nuclear, a qual é fortemente incentivada na Lei 14120/2021 com previsão, inclusive da retomada das obras na Usina Nuclear de Angra 3 e a exploração desta fonte pelos próximos 50 anos. Na nossa análise, este é mais um erro, agora do ponto de vista da política energética e ambiental. O Brasil possui uma matriz elétrica majoritariamente composta por fontes renováveis (hidrelétrica, eólica e solar). Optar por energia nuclear é optar por uma fonte que além de não ser renovável é mais cara e seu impacto ambiental é muito mais acentuado quando usada em termelétricas.

O último ponto capital se refere a abordagem que a lei faz no que diz respeito à geração distribuída, notadamente a energia solar. Em princípio, a lei não traz prejuízo para o setor. Pelo contrário, existe a previsão de que algumas iniciativas de eficiência energética, com uso de energia solar, podem sem implementadas em prédios públicos com recursos advindos das empresas do setor elétrico. Já para a geração de energia solar nas grandes usinas haverá um impacto na medida em que o Governo Federal deixará de fazer o repasse para as mesmas de um recurso destinado à transmissão da energia gerada naqueles empreendimentos. O prazo para o fim deste repasse é de um ano a contar do início da vigência da lei, portanto, março de 2022. O fato da lei não colaborar com o desincentivo ao uso da energia solar em menor escala (geração distribuída), por si só, tem um caráter positivo. A conta foi para quem tem maior "musculatura", ou seja, as multinacionais que controlam a geração de energia solar em grande escala no país. Dos males o menor.

Tarifa Branca: economia em torno de 15% na fatura de energia

Créditos: pixabay

Um modelo adotado há anos pelo setor de telefonia foi implementado, desde de janeiro de 2018, pelo setor energético para consumidores atendidos em baixa tensão. Tal modalidade, intitulada “Tarifa Branca” de energia elétrica visa à transferência do consumo de energia do horário de ponta para o horário fora de ponta ou intermediário. No Piauí, a concessionária de energia elétrica estabelece como horário de ponta (horário com maior consumo) o intervalo diário de 17:30h às 20:30h (à exceção de sábados, domingos e feriados nacionais). O horário intermediário, aplicado exclusivamente aos consumidores optantes pela tarifa branca refere-se ao período de uma hora anterior e posterior ao horário de ponta. O horário fora de ponta refere-se às horas complementares ao horário de ponta e intermediário e compreende também sábados, domingos e feriados nacionais.

A tarifa branca estimula tal mobilidade de consumo através de incentivos financeiros. Portanto, o optante por esta modalidade tarifária pagará um valor bem mais caro pela energia consumida no horário de ponta, um pouco menos caro se o consumo for no horário intermediário e mais barato se o consumo ocorrer no período fora de ponta. Para a concessionária o ganho se dá na medida em que ocorre um “desafogamento” de consumo no horário de ponta, transferindo-o para horários em que o sistema fica mais ocioso. Parece simples, mas tal mobilidade implica no adiamento da construção de novas subestações para atendimento de uma demanda de energia cada vez mais crescente.

Antes de aderir à tarifa branca o consumidor deve analisar o seu perfil de consumo. Isso passa pela análise dos horários de funcionamento de equipamentos que consomem maior quantidade de energia elétrica, tais como ar condicionado, chuveiro elétrico e ferro de passar. Se o consumidor utiliza bastante estes equipamentos nos horários de ponta e não está predisposto a mudar seus horários de funcionamento, então é melhor permanecer na tarifa convencional. Cada caso é um caso! Por exemplo, numa família em que todos saem de casa cedo e só retornam após o horário de ponta, a tarifa branca pode ser atrativa. Já para uma família, na qual as pessoas usam chuveiro elétrico ou ar condicionado em horários diversos o melhor é permanecer na tarifa convencional.

Mudar horários de operação de equipamentos elétricos para se adequar à tarifa branca exige do consumidor disciplina no que se refere ao gerenciamento de seu consumo. Portanto, a mudança requer um planejamento estratégico, integrado e assimilado por todos os membros da família. É preciso que se avalie também a atratividade financeira, o que pode ser feito analisando-se, junto à concessionária, quanto custa o kWh de energia consumida nos três períodos.  Como exemplo, vamos comparar o custo do kWh da concessionária de energia do Piauí: para a tarifa convencional o consumidor em baixa tensão paga R$ 0,58 independentemente do horário. Mas se esse mesmo consumidor optar pela tarifa branca passará a pagar R$ 1,40 no horário de ponta, R$ 0,47 no horário fora de ponta e R$ 0,87 no horário intermediário. Os valores acima estão sem a incidências de impostos. A economia com a mudança pode chegar a 15% ao mês. Portanto a mudança, se não for bem planejada, pode ser um “tiro” no pé. Felizmente é dada ao consumidor a possibilidade de, uma vez insatisfeito com a mudança, retornar para a tarifa convencional.

Já gastamos R$ 2 bilhões com importação de energia em 2021

Crédito: Quang Nguyen Vinh

Como já era esperado, um dos caminhos para se evitar um apagão de energia elétrica no Brasil, após a segunda quinzena de novembro, era o aumento da importação. E ele veio! E como veio! Somente entre janeiro de outubro de 2021, as despesas com importação de energia elétrica cresceram 63,78% se compararmos com o mesmo período de 2020. Os dados são do Ministério da Economia. Ao todo, o Brasil gastou R$ 2,045 bilhões em dez meses. Este foi o maior gasto com importação de energia desde 1997, quando se registrou pela primeira vez a aquisição de energia nessa modalidade. A razão principal do aumento reside no fato de estarmos passando pela pior crise hídrica dos últimos 91 anos.

O Brasil já possuía com o Paraguai um acordo de cooperação para adquirir deste país a energia excedente gerada a partir da usina binacional de Itaipu. Como a escassez de chuvas atingiu também o Paraguai, o Brasil teve que reduzir em 11% os gastos com energia produzida lá. O Brasil passou a comprar energia adicional da Argentina e do Uruguai. O gasto com energia produzida pela Argentina e Uruguai, cresceu 76 e 38 vezes, respectivamente, em comparação com 2020.

Com escassez de água nas hidrelétricas abriu-se uma exceção a longo prazo. Em geral, se importa energia elétrica quando o investimento é menor do que o de manter as termelétricas ligadas. Eventualmente, em situações pontuais que duram uma ou duas semanas por ano, se mantém os dois fornecimentos. No entanto, em 2021 foi preciso autorizar os dois métodos simultaneamente por meses. As hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste foram as que mais sentiram a falta de chuva. A expectativa é que já em meados de dezembro a demanda por térmicas e importação de energia seja reduzida.

 

A energia que vem do lixo

Usina de Biogás em Caucaia (CE). Crédito: site da Ecometano.

A produção de lixo no Brasil tem aumentado significativamente. A produção saiu de 66,7 milhões de toneladas em 2010 para 79,1 milhões em 2019, uma diferença de 12,4 milhões de toneladas. Cada brasileiro produziu, em média, 379,2 kg de lixo em 2019, o que corresponde a mais de 1 kg por dia (ABRELPE, 2020).  A obtenção de energia a partir do lixo é uma possibilidade real e essa tecnologia recebe o nome de Biogás. O aproveitamento do biogás já é uma realidade em várias partes do mundo. No Brasil, existem experiências exitosas, como o da cidade de Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza, onde está instalada a maior usina do país de aproveitamento do biogás a partir de resíduos urbanos. O Aterro Sanitário Municipal Oeste de Caucaia recebe diariamente cerca de 3 mil toneladas de resíduos sólidos domiciliares da Região Metropolitana de Fortaleza. Em relação à produção de biogás, a usina alcançou em 2021 a marca de 120 mil m³/dia. 

Depois de purificado, o lixo é convertido em biometano, que tem as mesmas características físico-químicas do gás natural fóssil. Com isso, é possível injetar o produto diretamente nas redes de distribuição de gás natural. O biogás pode ser usado em lampiões a gás, ou em sistemas de iluminação a gás que utilizam o gás natural canalizado. Também pode ser canalizado para o uso em motores de combustão interna, microturbinas ou turbinas a gás, nestes dois últimos casos para geração de energia elétrica.

Além das vantagens econômicas, o aproveitamento dos resíduos urbanos para produção de biogás tem uma dimensão ambiental. A utilização do metano – principal causador do efeito estufa – na produção deste biocombustível reduz os efeitos causado pela sua liberação na atmosfera. A decomposição dos materiais orgânicos também reduz a quantidade de resíduos sólidos despejados em lixões.

Lâmpadas incandescentes: o fim de uma era

: Aphiwat ChuangCréditochoem

Desde junho de 2014, a fabricação e a importação de lâmpadas incandescentes estão  encerradas no Brasil. Assim, o país seguiu a linhas de outros países. A União Europeia, Japão, Estados Unidos e Austrália já  havia restringido a produção e a comercialização desse tipo de lâmpada.  A principal justificativa para a determinação é o fato destas lâmpadas serem energeticamente muito ineficientes, uma vez que parte da energia é “perdida” em forma de calor. As lâmpadas que tinham sido fabricadas até 2014 tiveram até junho de 2017 para serem comercializadas. Este tipo de lâmpada, em geral, tinham eficiência de 30% e vida útil de 1000 horas.

Outra razão que justifica a extinção das incandescentes é que existem no mercado lâmpadas que, embora mais caras, possuem maior eficiência e vida útil mais longa, como é o caso das fluorescentes compactas (eficiência de 70% e vida útil de 8000 horas) e as de LED (eficiência de 90% e vida útil de 25000 horas). Em uma instalação residencial, a iluminação é responsável, em média, por 20% do consumo de energia elétrica. O investimento que se faz com a substituição das lâmpadas incandescentes por lâmpadas mais eficientes, graças à economia proporcionado por estas, é recuperado em 3 meses no caso das fluorescentes e de 7 a 9 meses no caso das de LED.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas, a substituição das lâmpadas incandescentes ocasionou uma economia anual de cerca de 5% da energia elétrica consumida no mundo. Tal fato trouxeram duas implicações diretas: benefícios para o bolso e benefício ao meio ambiente, uma vez que à medida em que se tem economia de energia elétrica adia-se a necessidade de construção de novas usinas para atendimento da demanda cada vez mais crescente. Até mesmo a avicultura, setor que depende fortemente das lâmpadas incandescentes para um melhor desempenho reprodutivo das aves, proporcionando melhor controle da maturidade sexual e uniformidade do lote, já encontra nas lâmpadas de LED uma alternativa para a manutenção dos resultados com menos gasto de energia.

Indubitavelmente, as lâmpadas incandescentes tiveram sua importância em um cenário em que o mais importante era a iluminação. Elas nos acompanharam em nossas residências por mais de um século, mas o fim de sua trajetória estva com os prazo determinado, assim como aconteceu com outros equipamentos elétricos tais como o vídeo cassete e a TV com tubo de imagem. O desenvolvimento sustentável também passa por substituições destes equipamentos em nome de uma maior eficiência energética.

 

O legado da COP26 para o setor de energia

Credito: Narcisa Aciko

Após duas semanas de intensas negociações, chegou ao fim, no último sábado (13/11), a COP26. O relatório final da Conferência evidencia vitórias e fracassos. Para o setor de energia, pontuaremos os três aspectos mais relevantes que farão parte da agenda de muitos países. Entenda como isso pode impactar nossas vidas. O primeiro aspecto diz respeito à mobilidade urbana. Mudar para um carro elétrico está entre uma série de mudanças no estilo de vida que provavelmente faremos. Os especialistas prevêem que os novos veículos elétricos podem custar o mesmo que os novos carros a gasolina ou diesel nos próximos cinco anos. Também é possível alugar um veículo elétrico, e há um crescente mercado de usados, onde esses veículos são mais baratos. Dezenas de países, regiões e empresas automotivas concordaram em aumentar o uso de veículos elétricos e trazer novos ônibus e caminhões com emissão zero. Enquanto isso, outros argumentam que precisamos de menos carros na estrada - caminhar e andar mais de bicicleta também pode ser uma das mudanças que faremos.

O segundo aspecto trata de como a nossa energia se tornará mais verde. Mais de 40 países se inscreveram para eliminar o carvão. Um número semelhante se comprometeu a garantir que a energia limpa seja a opção mais confiável e acessível para abastecer nossas casas e empresas. Para países como o Reino Unido, isso significará continuar a avançar em direção a fontes renováveis, como a energia eólica e solar - e possivelmente mais dependência da energia nuclear. Embora China, EUA e Índia não tenham assinado o acordo de eliminação do carvão, espera-se que os anúncios feitos em Glasgow sinalizem ao mercado que vale a pena investir em energia renovável.

O terceiro aspecto se refere à mitigação do uso da energia em nossas residências. Painéis solares e bombas de calor (em regiões mais frias) podem se tornar padrão em nossas casas. Vamos construir novas casas usando alternativas de baixo carbono para cimento e concreto - e tentar reformar as antigas. As pessoas poderão gerar a sua própria energia solar. Para isso são necessárias políticas públicas para a difusão do uso deste tipo de energia, sobretudo na criação de novas linhas de financiamento com taxas acessíveis.
 

 

Apagão no Amapá completa um ano: entenda as causas

Tranformador incendiado em Macapá. Crédito: JN

No dia 3 de novembro de 2020, às 20:40h, tinha início aquele foi um dos maiores apagões da história do Brasil, o qual atingiu aproximadamente 90% da população do Amapá, espalhada por 13 municípios, tendo se prolongado por longos 22 dias. A explosão de um transformador numa subestação na Zona Norte de Macapá, além de provocar a interrupção do fornecimento de energia elétrica, trouxe à tona a precária infraestrutura energética do estado, abrangendo desde à geração até `distribuição de energia. Um ano após o episódio, muitas dúvidas ainda persistem, sobretudo no que refere ao potencial energético do Amapá, que abriga três hidrelétricas, mas que ao mesmo tempo sofre com dezenas de quedas de energia diariamente em bairros e cidades.

Durante os primeiros dias dos 22 em que o estado permaneceu sem energia, o Amapá viveu um verdadeiro caos, com a falta total de energia elétrica e sem nenhuma perspectiva de reestabelecimento do serviço. Houve uma busca desenfreada por água mineral, combustíveis, gelo, etc. O estado estava à beira de um total desabastecimento de vários produtos e serviços. O apagão teve origem, durante uma tempestade, numa subestação da Linhas da Macapá Transmissora de Energia (LMTE). Em seu relatório, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) descreveu a ocorrência como uma sucessão de falhas em usinas, na rede de distribuição e Subestação Macapá, que é a principal do estado.

Antes do apagão, só estavam funcionando dois transformadores na subestação da LMTE, porque o terceiro estava em manutenção desde dezembro de 2019. Portanto, o sistema já operava no limite, descartando qualquer possibilidade de "backup", em caso de comprometimento de um dos dois transformadores em operação. O ONS relatou que, na noite do dia 3 de novembro, houve um curto-circuito, seguido de explosão e de incêndio num primeiro transformador, o que sobrecarregou o segundo equipamento. Mas o que era pra ser um sistema de pronto atendimento da contingencia, mostrou, através de sucessivas falhas, que tal atendimento estava longe dos padrões mínimos requeridos neste tipo de situação.

A investigação identificou que o incêndio que atingiu a Subestação teve início em uma das “buchas” do transformador, retirando-o de operação. Em julho de 2021, a Polícia Federal concluiu o inquérito do caso e indiciou três diretores da LMTE. “O indiciamento se deu em razão de a empresa ter sido omissa na manutenção do gerador reserva [transformador backup]. Este apresentou defeito e ficou inativo por um ano e sem passar por reparo pela LMTE. Constatou-se que, entre o fim de 2019 e a data do fato, foram feitas várias programações para reparo no gerador em questão, mas em nenhuma delas houve de fato correção do problema”.

O inquérito revelou ainda que, quando o primeiro transformador pegou fogo, "automaticamente o segundo deveria entrar em funcionamento para trabalhar em conjunto com o terceiro", mas ele estava em manutenção. Assim, apenas o terceiro transformador de energia ficou com toda a carga e terminou superaquecendo. Em eletricidade, quando se exige de um equipamento uma potência, a qual ele não foi dimensionado para atender, o resultado é o desligamento e isso ocorre para evitar um dano maior ao sistema de abastecimento de energia
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Sinalização aéreas em Linhas de Transmissão

Esfera usada na sinalização áerea de Linha de Transmissão. Crédito: Karolina 

O acidente com a aeronave que vitimou fatalmente a cantora Marília Mendonça suscita um importante aspecto no que se refere à segurança das instalações elétricas: a sinalização aérea das linhas de transmissão. O avião que transportava a cantora e sua equipe colidiu, antes de cair, com cabos de uma linha de transmissão que ficava no entorno do aeroporto de Ubaporanga, em Caratinga, onde o mesmo deveria pousar. Vale ressaltar que a linha de transmissão estava em construção, portanto não estava energizada. Ainda que a linha estivesse energizada, há que se descartar a possibilidade dos ocupantes da aeronave virem a ser eletrocutados, graças a fenômeno conhecido como Gaiola de Faraday, mas esse é um tema para uma outra postagem. 

Inicialmente é importante destacar que as Linhas de Transmissão são estruturas extremamente importantes para que a energia elétrica chegue até o consumidor final. São portadoras de tensões que podem chegar a 750.000 volts. Sua instalação em áreas próximas de aeroportos requer atenção ao que prescreve a norma. Na proximidade de aeroportos, na área retangular com início na cabeceira da pista medindo 100 m de largura por 1.000 m de comprimento, não poderão serem feitas implantações de quaisquer edificações. Divulgados nos dias 3 de julho e 13 de setembro, os relatórios, chamados Infotemp, informavam que as torres que estavam sendo instaladas violavam o plano básico de zona de proteção do aeroporto de Ubaporanga. A Cemig (distribuidora de energia de Minas Gerais) garante que as torres de transmissão estão instaladas fora da zona de proteção do aeroporto. 

A fim de garantir uma melhor identificação visual diurna das linhas de transmissão são utilizadas esferas de sinalização, as quais são colocadas para destacar a presença de linhas elétricas em áreas com alta densidade de tráfego aéreo, seguindo as orientações da NBR6535 e NBR7276. O(a) caro(a) leitor(a) certamente já dever ter visto umas dessas esferas, geralmente na cor laranja ou vermelha, em linhas de transmissão que “cortam” as rodovias. Em áreas próximas a aeroportos ou com densidade de tráfego aéreo excepcionalmente alto, as esferas devem ser instaladas a cada 30 m em vãos selecionados da extensão dos cabos. No caso do acidente com a aeronave, a Cemig afirmou em nota que “ a sinalização por meio de esferas é exigida para torres em situações específicas, entre elas estar dentro de uma zona de proteção de aeródromos, o que não é o caso da torre que teve seu cabo atingido. 

Independentemente de qualquer coisa, quando se fala em energia elétrica, segurança nunca é demais. Ainda que a situação não exigisse a instalação das esferas sinalizadoras, a proximidade com o aeroporto (ainda que dentro do permitido) é um fator que inspira cuidado. A nós, o que resta, além de lamentarmos profundamente a morte dos passageiros e tripulação da aeronave é acompanharmos as investigações das causas da queda e saber se o fator sinalização aérea da linha de transmissão foi preponderante no acidente.

 

O dia D da energia na COP26

Fonte: gov.uk

Hoje aconteceu o Dia da Energia (Energy Day) na COP26. Pelo menos 23 países assumiram novos compromissos para eliminar a energia à base de carvão, combustível fóssil com elevado potencial de poluição. A maior aliança mundial para a eliminação progressiva do carvão ganhou 28 novos membros. Chile e Cingapura foram duas nações que se juntaram à Powering Past Coal Alliance, que é co-presidida pelo Reino Unido e Canadá. 20 novos países, incluindo Vietnã, Polônia e Marrocos, se comprometeram a não construir novas usinas.

"Assegurar uma forte coalizão de 190 países para eliminar a energia à base de carvão e acabar com o apoio a novas usinas a carvão e a Declaração de Transição Justa assinada hoje mostram um compromisso real e intencional de não deixar nenhuma nação para trás", disse Alok Sharma, presidente da COP26. Vários grandes poluidores ainda estão faltando na grande promessa de eliminação do carvão. Embora as metas de aquecimento global existentes exijam que os países parem de queimar carvão, muitas das principais economias não definiram uma data para encerrar seu uso. A ONG internacional Global Witness também afirma que o anúncio fica "espetacularmente aquém" do que este momento exige. Um acordo que trata apenas do carvão não resolve nem metade do problema", disse Murray Worthy, líder de campanha da organização. “As emissões de petróleo e gás já ultrapassam de longe o carvão e estão crescendo, enquanto o carvão já está entrando em declínio terminal."

Worthy acrescenta que a ciência é "absolutamente clara" quanto ao fato de que os combustíveis fósseis devem ser totalmente eliminados se quisermos evitar os piores impactos da emergência climática. "Este é um pequeno passo em frente quando o que precisávamos era de um salto gigante."

 

A dimensão jurídica do acesso à energia

Créditos: Anete Lusina

O estabelecimento e a quantificação das necessidades básicas do ser humano vêm sendo há algum tempo debatidas por economistas e planejadores. Contudo, a maioria concorda que os programas de atendimento das necessidades básicas deveriam garantir padrões mínimos de nutrição, habitação, saúde, vestuário, educação, condições sanitárias e trabalho decente. Embora a energia elétrica não esteja mencionada nessa lista, o atendimento de cada necessidade básica implica consumo deste recurso (GOLDEMBERG, 2010; WHITTON et al., 2015). Uma vez que o acesso à energia elétrica pode ser concebido como uma condição essencial para que a população alcance melhores condições de vida, é possível apresentar a relação desse tema com as legislações que abordam os direitos fundamentais, tanto em âmbito nacional como internacional.

Assim, as discussões atuais acerca do tema têm admitido o acesso à energia elétrica como condição para a concretização da dignidade da pessoa humana, tema sobre o qual versam tantos tratados, leis e constituições. Dessa forma, apesar de o assunto não figurar explicitamente entre os termos das leis, percebe-se que tal direito também faz parte desses dispositivos legais. Nesse contexto, segundo o art. 3º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos: "ninguém deve ser submetido a tortura ou a tratamento ou a punição desumana ou degradante”. Se partirmos da ideia de que o acesso à energia elétrica de qualidade é uma das condições para a dignidade humana, torna-se claro que o assunto tem sido abordado - ainda que indiretamente - em importantes instrumentos normativos. Outro documento importante no cenário internacional é o chamado "Electricity Directive" 2009/72, que traz o dever dos Estados-membro de oferecer acesso à energia elétrica de qualidade e a preços acessíveis, reduzindo a desigualdade que existe em relação a esse direito importante. Além disso, também é importante a visão que traz acerca da compreensão dessa questão como uma das nuances dos direitos humanos. O Departamento Internacional de Desenvolvimento do Reino Unido também defende a compreensão do acesso à energia como questão de direitos humanos.

No âmbito nacional, uma análise do texto da Constituição Federal de 1988 revela um alinhamento de seu preâmbulo com o que foi discutido sobre os dispositivos anteriormente, posto que atribui ao Estado Democrático brasileiro a responsabilidade de promover e assegurar o desenvolvimento da sociedade. Além disso, o art. 1°, III versa sobre o Estado Democrático de Direito e institui a dignidade da pessoa humana como uma de suas bases, o que perpassa todas as condições entendidas como necessárias para a efetividade desse ideal, incluindo os benefícios alcançados a partir de um correto provimento de energia elétrica de qualidade (tais como educação, lazer, saúde, etc.). Em seu art. 3°, II dispõe sobre a garantia do desenvolvimento nacional, que também está relacionado com o tema debatido, conforme analisado. Outros artigos importantes trazidos pela CF/88 são o art. 22, que institui a União como o ente responsável pela elaboração de leis e demais dispositivos legais relacionados a água, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão. Além disso, o art. 175 também merece destaque, porque trata do fornecimento de energia elétrica, que o Poder Público deve oferecer/garantir.

Além disso, a necessidade de fontes alternativas renováveis para a produção de energia elétrica no cenário nacional também está alinhada àquilo que é disposto no art 225 da Constituição Federal de 1988, segundo o qual: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." É perceptível, portanto, que o acesso à energia elétrica no cenário contemporâneo está elencado entre uma das necessidades essenciais para a materialização de direitos, os quais são tão discutidos e amparados pelas leis, nacional e internacionalmente. Para além do texto constitucional, um marco muito importante para o contexto da legislação sobre energia elétrica no Brasil é a lei através da qual foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), trata-se da lei n° 9.427/96. A ANEEL é responsável por regular o setor de eletricidade brasileiro. Nesse sentido, é importante novamente citar a criação do Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica, o Luz Para todos, como ficou conhecido. O decreto que o institui data do ano de 2003 e tinha por fim uma maior universalização do acesso à energia elétrica, envolvendo as camadas da população mais vulneráveis socialmente, como a parcela que residia em meio rural, por exemplo.

A Lei n° 10.438/2002 também não pode deixar de ser apontada nessa análise, pois foi a partir dela que foi criado o PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), o qual visa a aumentar a participação de fontes renováveis para a produção de energia elétrica. Outras leis brasileiras também possuem um enfoque maior nas questões envolvendo o setor elétrico, como a Lei n° 9.487/97, que trabalha as soluções para o oferecimento de energia às diversas regiões do país; a Lei n° 9.991/2000, que trata sobre o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento em relação à eficiência energética; a Lei n° 10.438/2002, a qual se volta para o estabelecimento da Tarifa Social de Energia (sendo importantíssima para o cenário brasileiro, intensamente marcado pela desigualdade social). Além das referidas leis, existem muitos outros dispositivos legais que versam sobre o assunto. A partir dessa visão mais ampla, é possível perceber o impacto que tais medidas possuem para a distribuição de energia no cenário nacional, no sentido de aumento da eficiência na produção e distribuição e também na redução de desigualdades.

 

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