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O impacto da cobrança do ICMS sobre um serviço essencial

* Por Rafael Victor Rocha Furtado

Advogado. Especialista em Direito Tributário (IEMP).

 

O imposto incidente sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS) é comumente associado apenas às transações que envolvem bens materiais. Além desse caso geral, também é fato gerador de ICMS a prestação de serviços relacionados à telecomunicação e ao fornecimento de energia elétrica.

Razoável imaginar que todas as pessoas/famílias são potenciais contribuintes de ICMS no caso do serviço de telecomunicações, o que, na verdade, vem se tornando praticamente uma certeza devido à consideração de que o acesso à internet é um direito humano[1]. Se a internet e a telecomunicação já são atualmente consideradas serviços praticamente essenciais à vida das pessoas, o acesso à energia elétrica é ainda mais importante, podendo ser considerado, com algumas ressalvas e algum exagero, tão importante quanto o acesso a água potável.

Retornando ao ICMS, há grande relação desse importante tributo com uma diretriz determinada pela Constituição Federal ao determinar que o referido tributo “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Ora, a previsão constitucional tem profundo impacto, quando observada, na vida dos consumidores. Isso porque o ICMS é um dos tributos de maior influência no preço final do produto, chegando a incidir com alíquota de 25% em alguns casos. Utilizando a lógica definida pela Constituição Federal, o quilo de arroz deve ter a incidência de uma alíquota inferior de ICMS quando comparado a um litro de bebida alcoólica. Assim deveria funcionar: quanto mais essencial é o produto para a vida humana, menor deve ser a alíquota incidente sobre o seu preço para que um maior número de pessoas possa ter acesso a ele.

Nesse sentido, retomando à questão do serviço de energia elétrica, certo seria que sobre o valor do consumo de energia elétrica na conta mensal incidisse um percentual bastante reduzido de ICMS, já que, conforme anteriormente destacado, o acesso a energia elétrica é essencial para que as pessoas tenham, nos padrões atuais, vidas dignas.

No caso do Estado do Piauí, que aplica a alíquota média (no sentido de “na maioria dos casos”) de 18%, esperar-se-ia uma alíquota de 10% ou menos em relação ao consumo de energia elétrica. Porém, para a surpresa de muitos (principalmente dos leitores que vão verificar suas contas de energia logo após esta leitura), é muito provável que a alíquota cobrada seja de 25%, fora a COSIP, que é uma contribuição. Essa cobrança, em percentual praticamente máximo, não é uma peculiaridade do Estado do Piauí. É prática que se repete em vários outros Estados pelo Brasil, indicando um grosseiro desrespeito à diretriz constitucional da seletividade do tributo em razão da essencialidade do produto ou serviço.

Além dessa problemática, que já indica uma gigantesca arrecadação para os cofres do Estado, há ainda outra tão grave quanto, senão ainda mais grave em razão da inobservância do fato gerador do referido tributo.

Vários imóveis, principalmente ligados a pessoas jurídicas que precisam de um fornecimento estável de energia elétrica, contratam um serviço que pode ser assimilado a uma “garantia” de fornecimento. Assim, por exemplo, um hospital precisa, além do fornecimento de energia, contratar uma quantidade “garantida” (comumente conhecido como “demanda contratada”) de energia elétrica para que os seus aparelhos não sofram com eventuais variações na rede. Assim, o valor da fatura de energia dessas unidades contratantes serve como uma única base de cálculo para a incidência dos 25% (ou outra alíquota, a depender do Estado), que incide sobre o que foi efetivamente consumido e a “demanda contratada”. Isso, porém, está errado!

Dessa forma funciona o Estado, atuando em sua função de arrecadador de tributos. Resta ao contribuinte buscar seus meios de defesa e, provando eventual cobrança indevida de tributo, requerer seu ressarcimento pelo indébito pago. Especialmente no caso dessas unidades (imóveis, pessoas físicas, contratantes, etc) que necessitam da “demanda contratada”, deve haver redução da base de cálculo do ICMS cobrado. Dessa forma, muito provavelmente o Estado, que sempre atuou apenas como um ferrenho arrecadador, vai se tornar um devedor dos consumidores que por tanto tempo pagaram um grande valor de ICMS de forma indevida.

A quem tenha "demanda contratada" de energia elétrica, é adequado consultar uma equipe de advocacia tributária que conheça o assunto, para verificação de eventual direito à obtenção de ressarcimento pelo excesso pago de ICMS.

 

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