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A revisão dos contratos (V)

Um outro caso emblemático sobre revisão judicial dos contratos se deu no julgamento do AgInt nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 784.056 - SP pelo Superior Tribunal de Justiça. A discussão central se deu quanto ao cabimento ou não do reajuste de preço a ser pago por sacas de sojas por conta do aumento do seu valor de mercado entre a contratação da compra e venda de safra futura e a colheita.

O fato:

Uma cooperativa de agricultores da região de Orlândia/SP contratou junto a dois agricultores a compra e venda de safra futura de soja pelo preço previamente acordado de US$ 9,80 (nove dólares americanos e oitenta centavos) por saca. Se à época da colheita o valor de mercado da saca estivesse abaixo disso, como os agricultores mencionaram no processo que seria o que normalmente ocorria, ainda assim teria que pagar o preço previamente acordado. Ocorre que à época da colheita, ao inverso do corriqueiro conforme afirmação feita pelos agricultores, o valor de mercado da saca de soja subiu, chegando a aproximadamente US$ 17,50 (dezessete dólares americanos e cinquenta centavos).

Por conta disso, os agricultores pleitearam a revisão judicial para o preço a ser pago pela cooperativa fosse aumentado, a fim de se alinhar mais proximamente do valor de mercado vigente à época da colheita. Afirmaram que essa subida extraordinária do preço praticado no mercado fez com que “as estimativas acerca do custo e da variação nos preços destoassem completamente das previsões iniciais”.

A decisão:

O Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão proferida no acórdão recorrido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e, assim, julgou improcedente o pedido de revisão judicial do contrato feito pelos agricultores. Foi mantida, portanto, a obrigação de venda da safra de soja pelo preço de US$ 9,80 (nove dólares americanos e oitenta centavos) por saca.

Na fundamentação, o STJ afirmou que se trava de um contrato aleatório (Código Civil, arts. 458 ao 461) por dizer respeito a fatos futuros – no caso, o preço da saca de soja à época da colheita – cujos riscos foram assumidos de parte a parte. Se o preço caísse, o preço acertado seria vantajoso aos agricultores; se subisse, vantajoso à cooperativa.

Além disso, entendeu-se que o aumento no preço da saca de soja à época da colheita não implicou no aumento dos custos da lavoura. Teria gerado, apenas, uma menor margem de lucro aos agricultores, o que estava ligado essencialmente ao próprio risco do contrato celebrado. Nesse ponto, repetiu trecho da fundamentação apresentada pelo TJSP no acórdão recorrido:

[...] vale a menção de que é perfeitamente válida e eficaz a cláusula que estabelece a entrega futura de sacas de soja pelo valor fixado no ato da contratação, pouco importando a variação do preço de mercado. Quem contrata sabe muito bem das possibilidades de variação do preço, mas pretende estabelecer um valor que lhe atenda aos interesses e traduza segurança. Assim, nenhuma relevância tem, para o caso, o fato de que a soja, em razão do mercado, ter alcançado um valor altíssimo em relação ao convencionado, até porque o inverso poderia ter ocorrido, e esse fator era perfeitamente previsível e foi levado em conta pelas partes. Não há, portanto, fundamento para falar em onerosidade excessiva, que não se confunde com margam de lucro menor, como bem destacou a sentença.

Para o encerramento desta série sobre revisão dos contratos, na próxima semana será abordado o tópico sobre a pertinência de pleitos revisionais em contratos tidos por aleatórios.

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

www.rochafurtado.com.br

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