Por Gabriel Furtado e Luís Guilherme Tavares[1]
As decisões com maior potencial de repercussão pressupõem uma escolha difícil, em que não há uma solução óbvia e consensual, mas caminhos a serem eleitos por quem esteja na posição de decidir. Essa dificuldade aumenta quando ainda não existe um conjunto de normas a orientar os comportamentos recomendados, os objetivos almejados e as condutas proibidas. Esse é um dos principais desafios na consolidação do Brasil como uma potência no campo do Hidrogênio Verde; entender como regular esse novo ativo significa formalizar decisões difíceis, mas indispensáveis ao sucesso dessa empreitada energética.
Buscando cooperar na solução desse obstáculo, diversos atores dos setores privado e público têm desempenhado um intenso papel nos debates para a construção de um “Plano Nacional para o Hidrogênio Verde”, ou seja, as normas que incentivarão e regulamentarão as etapas produtivas e o objetivos a elas correspondentes. Um dos fatores que tem pautado o debate legislativo é a recente aprovação pelo Parlamento Europeu do arcabouço de normas para o Hidrogênio Verde, marco legal que detalha os parâmetros mínimos de exigência deste material, as condições de importação e exportação, e as ferramentas econômicas à disposição nesse novo segmento comercial.[2]
Considerando que a Europa é um dos principais consumidores em potencial para a produção nacional, torna-se importante que as normas aqui construídas não destoem, ao menos na essência, das regras atinentes ao mercado europeu, a fim de não inviabilizar futuras transações comerciais. Com o objetivo de fornecer os materiais necessários à construção legislativa dessas normas para cenário brasileiro, foi constituída pelo Senado Federal uma “Comissão Especial para o Hidrogênio Verde (CEHV)”, objetivando o contato e difusão das experiências locais e internacionais com essa fonte energética, bem como o diálogo com as referências técnicas no segmento para a obtenção dos estudos de maior relevância no campo.[3]
No compromisso mais recente dessa Comissão, em Audiência Pública realizada no Porto do Pecém no Estado do Ceará, o Senador Cid Gomes, que preside a Comissão, destacou os esforços de membros do Legislativo e do Executivo para que em tempo hábil possam elaborar a base de normas que será utilizada nos projetos e investimentos para a produção e comercialização do Hidrogênio Verde.[4] Ainda nessa oportunidade, destacou-se a existência de projetos legislativos afins, como o PL 725/2022, de relatoria do Ex-Senador Jean Paul Patres, atual presidente da Petrobrás.
Neste Projeto de Lei, busca-se a inserção do Hidrogênio na política energética nacional, promovendo alterações nas Leis Federais nº 9.478/97 e nº 9.847/99, que disciplinam o setor de combustíveis no Brasil, visando à transição para uma econômica de baixo carbono e ao incentivo à produção em bases competitivas e sustentáveis.[5] Esse PL também ingressa em pontos essenciais à atividade de produção e comercialização dessa fonte energética, como a conceituação do que seria o “Hidrogênio Sustentável”, os órgãos responsáveis pela fiscalização do segmento e os percentuais mínimos exigidos no setor de abastecimento.
No entanto, ainda que projetos como esse representem um avanço na materialização do debate, a efetivação do Hidrogênio Verde demanda a consolidação de normas que promovam verdadeira segurança jurídica para aqueles envolvidos nesse empreendimento ascendente. Assim, esforços como os aqui mencionados devem ser acompanhados e incentivados para que não haja um prejudicial descompasso entre a legislação vindoura e as necessidades desse campo econômico.
Ao expressar o objetivo de apresentar um verdadeiro “Plano Nacional do Hidrogênio Verde” ainda no ano de 2023, e a entrega dos projetos de lei correspondentes no primeiro semestre de 2024, o Presidente da Comissão Especial do Hidrogênio Verde pôs em palavras e datas a urgência que esse setor exige. Apenas reconhecer a imponência do desafio não o soluciona e nem garante que todos compartilharão dessa urgência, mas os caminhos de maior recompensa exigem decisões difíceis. É esse, pois, o desafio legislativo posto.
Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil da UFPI, em nível de graduação e mestrado. Diretor Acadêmico do iCEV. Doutor e Mestre em Direito Civil pela UERJ. Escreve para o Caderno Jurídico às terças-feiras.
[1] Sócios do escritório Gabriel Rocha Furtado Sociedade de Advogados.
[2] Para mais informações, esse arcabouço normativo foi aprovado no mês de março de 2023, servindo como incentivo às discussões nacionais, especialmente pela importância das relações comerciais futuras entre a produção brasileira e o mercado consumidor europeu. No mesmo sentido, ver: https://www.alemdaenergia.engie.com.br/ue-hidrogenio-verde/ e https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/68/politica-energetica-principios-gerais.
[3] No portal eletrônico da Comissão estão disponíveis informações adicionais, relatórios dos encontros já realizados e o cronograma de eventos futuros, ver: https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2589.
[4] A audiência pública foi realizada presencialmente na data de 26/06/2023, no auditório do Porto do Pecém/CE, contando com a presença de representantes Estaduais e Federais dos diversos poderes, bem como de investidores do setor privado e profissionais de referência técnica no campo energético (e.g. Governador do Estado do Ceará, Professores do departamento de engenharia mecânica e engenharia elétrica da Universidade Federal do Ceará, Secretário de Desenvolvimento Econômico, Presidente da Federação de Indústrias do Ceará).
[5] Para conferir a íntegra do PL, acessar: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/152413.