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Questões jurídicas relacionadas aos contratos de franquia (IV)

A última questão a ser tratada nessa série é sobre a possibilidade de se configurar relação trabalhista entre a franqueadora e a franqueada. Rememorando a conceituação legal do contrato de franquia, dispõe o art. 2º da Lei Federal nº 8.955/1994 que “franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”.

Ou seja, em regra não há configuração de vínculo empregatício entre franqueada e franqueadora. A primeira mantém autonomia perante a segunda, embora haja vinculação contratual que imponha obrigações recíprocas entre ambas. Todavia, há precedentes na Justiça do Trabalho em que a verificação em concreto de excessiva ingerência da franqueadora na gestão da franqueada qualificaria a relação não mais como civil (franquia), mas sim como trabalhista. Isso por conta da existência de subordinação entre franqueada e franqueadora, o que é uma das características típicas das relações empregatícias.

A esse respeito, salienta Raul Murad (advogado e professor especialista em propriedade intelectual): “O artigo 2º da Lei n. 8.955/1994, de fato, tem a finalidade de, a princípio, descaracterizar a existência de vínculo empregatício entre franqueador e franqueado. No entanto, é preciso estar atento a duas premissas: i) esta previsão tem lugar de ser enquanto a relação se caracterizar efetivamente como de franquia e ii) no Direito do Trabalho vige o princípio da supremacia da realidade sobre as formas”.

Em representativo julgado da 8ª Vara do Trabalho de Cuiabá/MT sobre essa questão, a sentença dispôs o seguinte, no que é aqui relevante:

 

Alega o autor que manteve vínculo com a Ré de 15/01/08 a 02/04/09, tudo mascarado sob o título de franquia (“simulação do contrato de franquia”), alegando que houve violação ao estabelecido pelo artigo 2º, da Lei número 8.955/94. Pede o acolhimento da tese acima, a declaração de vínculo empregatício e o pagamento de verbas encartadas às fls. xxx.

[...]

A prova dos autos infirma as alegações empresariais e, nesse quadro, deve prevalecer o Princípio da Primazia da Realidade sobre a Forma, ou seja, desmistificando os contratos formais e adentrando na realidade fática vivenciada pelas partes e desnudada pelo teor dos depoimentos das testemunhas.

[...]

Do conjunto probatório emerge que houve dissimulação contratual para que o contrato de emprego fosse mascarado, ou seja, visou-se no caso concreto absorver a mão de obra do trabalhador e o respectivo despojamento dos direitos garantidos pelos Preceitos Consolidados, conduta vedada pelo artigo 9º, da CLT.

[...]

Sob essa ótica, considero que não existiu contrato de franquia e sim a utilização pela ré de empregados para a constituição de empresas ditas franqueadas para a única e exclusiva finalidade de inserir no competitivo mercado os produtos (colchões - aliás de ótima qualidade) e, por certo, conquistando tal qualidade à base de expedientes não admitidos pelo Direito. Afiro, ainda, que a ré promovia ingerência em relação ao autor, dito “franqueado”, pois havia imposição de treinamento (e avaliação) prévia do vendedor do “parceiro”; havia a subtração/desconto de 12% a título de aluguel, independentemente do valor da vendas; havia um rígido controle de vendas e recebimentos; existiu entre as partes determinação pela ré, dirigida ao autor, de obrigatoriedade de cadastro dos clientes, com todos os dados do mesmo para todos os fins (cobrança, constatação de satisfação, etc), cadastro este veiculado pelo formulário de pedidos entregue aos “franqueados”, sendo que havia uma averiguação sobre os produtos vendidos, ou seja, uma fiscalização efetiva e um “modus operandi” que manieta o “parceiro franqueado”, neste caso o autor. Não havia liberdade. Havia subordinação.

(destacou-se)

 

Por fim, uma questão que também tangencia esse ponto é eventual caracterização de grupo econômico entre franqueadora e franqueada, com o efeito de gerar a responsabilização solidária entre ambas das obrigações trabalhistas dos empregados da franqueada. Em conclusão: trata-se de tema delicado em que a verificação caso a caso é necessária para a qualificação ou não de vínculos empregatícios e obrigações trabalhistas entre as partes contratantes.

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV). Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

www.rochafurtado.com.br

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