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O condomínio em multipropriedade (I)

Foi publicada no final do ano passado, em 21 de dezembro, a Lei Federal nº 13.777/2018 que criou o regime jurídico da multipropriedade, promovendo alterações legislativas no Código Civil e na Lei dos Registros Públicos. A multipropriedade é nela conceituada como “o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”.

A doutrina brasileira já defendia a legalidade da multipropriedade, como modalidade de propriedade horizontal, há mais de vinte anos. Nesse sentido, o vanguardista ensinamento de Gustavo Tepedino (Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 117):

 

[...] nada obsta a regulamentação da multipropriedade pela Lei n. 4.591/64, mediante a disciplina fixada pela convenção de condomínio, que especifique as normas de conduta dos multiproprietários no tocando ao uso das partes comuns, à administração do complexo imobiliário e, inclusive, aos limites de cada utente ao aproveitamento de sua própria unidade autônoma. A convenção, uma vez regularmente aprovada pela assembleia de multiproprietários, tem eficácia perante terceiros, nos termos do art. 9º, § 2º. A validade das normas estatuídas pela convenção não é ameaçada pelo fato de interferirem na unidade autônoma, sendo frequente na propriedade horizontal tal interferência, ora manifestada na proibição de certas destinações econômicas, ora na exclusão de animais domésticos, ora proibindo-se o aluguel de cômodos ou da garagem de uso exclusivo a estranhos, todas cláusulas corriqueiras.

 

Há pouco mais de dois anos atrás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça havia reconhecido a validade e a eficácia de tal modalidade peculiar de aproveitamento econômico em empreendimentos imobiliários. O julgado recebeu a seguinte ementa:

 

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA (TIME-SHARING). NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO REAL. UNIDADES FIXAS DE TEMPO. USO EXCLUSIVO E PERPÉTUO DURANTE CERTO PERÍODO ANUAL. PARTE IDEAL DO MULTIPROPRIETÁRIO. PENHORA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliária, conforme ensina Gustavo Tepedino, é uma espécie de condomínio relativo a locais de lazer no qual se divide o aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento) entre os cotitulares em unidades fixas de tempo, assegurando-se a cada um o uso exclusivo e perpétuo durante certo período do ano.

2. Extremamente acobertada por princípios que encerram os direitos reais, a multipropriedade imobiliária, nada obstante ter feição obrigacional aferida por muitos, detém forte liame com o instituto da propriedade, se não for sua própria expressão, como já vem proclamando a doutrina contemporânea, inclusive num contexto de não se reprimir a autonomia da vontade nem a liberdade contratual diante da preponderância da tipicidade dos direitos reais e do sistema de numerus clausus.

3. No contexto do Código Civil de 2002, não há óbice a se dotar o instituto da multipropriedade imobiliária de caráter real, especialmente sob a ótica da taxatividade e imutabilidade dos direitos reais inscritos no art. 1.225.

4. O vigente diploma, seguindo os ditames do estatuto civil anterior, não traz nenhuma vedação nem faz referência à inviabilidade de consagrar novos direitos reais. Além disso, com os atributos dos direitos reais se harmoniza o novel instituto, que, circunscrito a um vínculo jurídico de aproveitamento econômico e de imediata aderência ao imóvel, detém as faculdades de uso, gozo e disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo.

5. A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição.

6. É insubsistente a penhora sobre a integralidade do imóvel submetido ao regime de multipropriedade na hipótese em que a parte embargante é titular de fração ideal por conta de cessão de direitos em que figurou como cessionária.

7. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 1546165/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 06/09/2016)

 

Nas próximas semanas se dará seguimento à apresentação da multipropriedade como nova forma especial de condomínio.

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

www.rochafurtado.com.br

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