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A sanha humana contra a natureza

Das coisas simples com as quais nos deparamos. Cena: chega cedo na casa de praia o catador de caranguejos com seis “cordas” de caranguejo-uçá. Nas mãos vinte e poucos caranguejos muito pequenos, todos se movimentando, querendo se livrar das cordinhas que prendem seus esqueletos.

Conversa rapidamente sobre o preço: 36 reais. Na conversa disse que foi longe, nos mangues distantes do povoado (estávamos em Barra Grande) para conseguir achar aqueles caranguejos. Interpelo ele sobre o tamanho dos caranguejos. Ele é enfático: “tem gente que pega caranguejos sem se preocupar se são machos ou fêmeas, se estão com ovos ou não. Se está ou não na época de reprodução”. Sem muita cultura ele foi no cerne da questão: os caranguejos estão desaparecendo pela exploração descontrolada do recurso e mais: diminuindo de tamanho!

Ao longo do tempo, o homem tem feito uma seleção meio às avessas. Tem explorado recursos, especialmente recursos do mar, preocupado apenas com detalhes que permitam conciliar uma pseudoconservação dos recursos com interesses econômicos. Os livros de ecologia há muitos anos já trazem informações sobre a redução no tamanho dos peixes de diferentes espécies, pescados em diferentes regiões da Terra. Nos países escandinavos já é notória a redução gradativa dos peixes em função da redução das malhas das redes de pesca. As malhas, graduadas para pegar apenas peixes maiores e deixar livre os filhotes, também deixou livres os adultos com tamanho reduzido. Resultado: peixes pequenos produzem filhotes pequenos: lição básica da genética baseada em dados quantitativos. Resultado: uma gradativa redução dos fenótipos, ou seja, peixes cada vez menores.

Basicamente o homem está fazendo uma seleção às avessas e a natureza vai dando seu jeito: os grandes vão desaparecendo e aparece uma nova geração de indivíduos menores. A chegar um momento em que, de tão pequenos, não interessarão mais aos interesses humanos de natureza comercial.

É mais ou menos por aí que a natureza vai escapando do descontrole humano.

Até a próxima...

Educação finlandesa

É quase um consenso mundial que a educação da Finlândia é uma das mais desenvolvidas do mundo. Não à toa em alguns resultados do PISA (um exame internacional realizado por estudantes) os estudantes finlandeses terem figurado entre os primeiros do mundo.

A Finlândia também tem buscado mudanças no seu currículo da educação básica: está voltando atrás de tudo o que se faz mundo afora. Enquanto pegamos o conhecimento e separamos todo em “caixinhas” que chamamos de matérias ou disciplinas, os finlandeses fizeram o contrário: abriram as caixinhas e misturaram conteúdos, em uma experiência ímpar no mundo inteiro.

Recentemente a Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação (RIAEE), publicada pela UNESP, lançou um número especial trazendo alguns trabalhos de uma experiência interessante, na área de formação continuada, vivida por professores brasileiros em duas universidades finlandesas. Um projeto chamado Teachers for the Future, proposto por meio de uma parceria entre o Ministério da Educação (MEC) do Brasil, Häme University of Applied Science (HAMK) e Tampere University of Applied Science (TAMK), as duas universidades da Finlândia envolvidas no processo.

O Dossiê Brasil - Finlândia: Educação para o Século XXI foi elaborado em parceria com as universidades finlandesas e está disponível no link: https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/issue/view/677

O projeto contemplou 107 professores brasileiros. Iniciativas como essas, cercada por uma política pública que garantisse que resultados colhidos pudessem ser aplicados, poderiam mudar um pouco a cara da educação no nosso país.

 

Estudante piauiense vence Feira Internacional de Ciências

  • IMG_2084.JPG Francisco Soares

Existem muitas coisas das quais, nós piauienses, devemos nos orgulhar. Uma delas é a capacidade de nossos estudantes e seus incansáveis incentivadores: seus professores.

Um exemplo clássico disso é a Profª Silvana Orsano. Professora da rede pública estadual e da rede municipal de Campo Maior, a professora Silvana talvez seja a piauiense que mais já conquistou medalhas em feiras e exposições científicas pelo Brasil. Dona de uma incansável perspicácia e feeling para projetos de ciências, especialmente focados para área de saúde e meio ambiente, com potencial para vencer certames de divulgação científica, a Professora Silvana agora passou a conquistar o mundo com seus trabalhos.

No início do mês de Julho ela esteve em Antofagasta, Chile, com o estudante Léo Pereira, da Escola Municipal Briolanja Oliveira, da Rede Municipal de Campo Maior, participando da 9ª Expo-Ciências Latinoamericana ESI-AMLAT2018 organizada pela MILSET AMLAT (Movimiento Internacional para el Recreo Cientifico y Tecnico da América Latina).

Nos encontramos em um dos Shoppings de Teresina e ela me parou para contar que o desafio agora é muito maior: “Professor Soares com esta medalha nos credenciamos para participar de uma feira em Abu Dhabi!”.

O desafio é muito grande mesmo. A Professora Silvana corre atrás de patrocínio e especialmente de apoio do Governo ou da Prefeitura (a viagem para o Chile foi parcialmente patrocinada pela Prefeitura de Campo Maior) para reunir os recursos necessários para levar seus trabalhos. Há dois anos lutou muito para conseguir levar o trabalho e dois estudantes de Campo Maior para Bruxelas, Bélgica. Com muito empenho conseguiu sensibilizar o Governador que se esforçou para que eles pudessem participar do certame, e trazer mais uma honraria para escolas públicas do Piauí.

É importante dizer que exemplos com o talento como a da Professora Silvana e seus estudantes são muitos por diferentes regiões do Piauí. Poucos tem a perspicácia dela de tomar muitos “chás de cadeira”, muitos “não” e ainda assim lutar para levar o que temos de melhor para que o Brasil e o mundo conheçam.

Insisto: o que temos de melhor no Piauí são os piauienses.

Até a próxima...

Flagrante da vida real: macaquinhos usando ferramentas

Durante muito tempo a ciência só dava crédito ao ser humano como usuário de ferramentas para o desenvolvimento de suas atividades.

Há muito já se conhece a habilidade de determinados animais no uso de objetos adaptados como ferramentas: são aves que usam gravetos para espetar larvas e insetos, pássaros que tecem seus ninhos como se cosessem um tecido e tantos outros exemplos. Mas durante muito tempo a atribuição ao uso de ferramentas por primatas era absolutamente restrita aos seres humanos.

Em 2007 uma imagem captada pelo fotógrafo André Pessoa ganhou o mundo: um macaco-prego (Cebus libidinosus) usando uma pedra para quebrar amêndoas ou frutos, em algum lugar no município de Gilbués (PI). A imagem chamou a atenção de cientistas como a italiana Elisabetta Visalberghi e o brasileiro Eduardo Ottoni que publicaram artigos científicos sobre o flagrante uso de ferramentas nestes macaquinhos no periódico American Journal of Physical Antropology.

Mesmo depois de ter lido isso há mais de 10 anos fiquei surpreso com um flagrante que fiz, pessoalmente, em macaquinhos desta espécie aqui, no nosso Parque Zoobotânico. Sem nenhuma pretensão de deixar de ser botânico para ser etólogo (biólogos que estudam o comportamento animal) saquei o smartphone e fiz o flagrante. Acompanhe:

Acho que é o prêmio do dia na vida de um biólogo: flagrar coisas interessantes na natureza!

Até a próxima...

 

Ciência Viva faz aniversário!!!

Há um ano atrás eu inaugurava um novo meio de se falar sobre Ciência, Tecnologia, Educação e Meio Ambiente: em 14 de julho estreávamos com a primeira publicação no Blog Ciência Viva no Portal Cidade Verde.

Sempre gostei muito de conversar e escrever. Casado com uma jornalista e professor há mais de trinta anos, a ideia de escrever semanalmente sobre temas científicos me pareceu um dos grandes e inexoráveis desafios. Fiz desta tarefa mais uma nas minhas dezenas de atribuições.

O desenvolvimento de qualquer atividade passa, sobretudo, pelo apoio que se tem. E neste particular fui um privilegiado. Minha rede de contatos no meio científico me permitiu a obtenção de vários “furos” jornalísticos, sempre apoiados pelo Portal Cidade Verde, capitaneado pela jornalista Yala Sena e pelas jornalistas Jordana Cury e Caroline Oliveira, principalmente.

A ideia de divulgar para o público leitor do Blog sobre as pesquisas que se desenvolvem aqui no nosso Estado e de trazer para o cidadão comum o que se produz em termos de ciência nas diferentes partes do mundo, animaram minhas leituras avulsas de periódicos científicos como a Nature e a Science, dois veículos constantemente citados na coluna, além de periódicos nacionais que trazem temas relacionados às pesquisas em universidades brasileiras como a Pesquisa FAPESP e boletins diários ou semanais de grandes universidades e instituições de pesquisa.

O maior compromisso que tenho, no entanto, é com um grupo já considerável de leitores. Alunos, ex-alunos, colegas professores, amigos, parentes, enfim, já tem muita gente lendo o Ciência Viva. Alguns posts atingiram cifras consideráveis, ultrapassando 4 mil visualizações! O que é considerado muito bom para uma página que divulga material científico. O número de leitores já supera o número de dedos que tenho nas mãos!!!

O mais interessante disso tudo é saber que os textos do Ciência Viva já foram utilizados, inclusive, em materiais didáticos de escolas. Dia destes um colega me mandou por uma rede social a foto de uma prova de uma escola da zona norte de Teresina que usou a parte de um texto publicado em uma questão. É a prova cabal de que o que estamos fazendo está sendo útil. Outro dia uma colega professora universitária no Maranhão me disse que uns colegas discutiam um tema da área de Física com o texto impresso do Ciência Viva nas mãos. Isto para mim é o mais importante.

Seguimos com esta ideia de continuar informando a todos. O Ciência Viva continua sendo atualizado semanalmente, agora às quartas e domingos.

Um grande abraço e os meus sinceros agradecimentos aos leitores do Blog.

Vamos em frente e até o próximo post...

BNCC do Ensino Médio

A Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio está em fase de coleta de opiniões advindas de audiências públicas. Assim como aconteceu com a BNCC do Ensino Fundamental, foram estabelecidas audiências públicas nas cinco regiões do Brasil. Mas a situação agora está um pouquinho diferente da anterior.

Nas discussões anteriores que geraram o documento homologado pelo Ministro da Educação, pouca polêmica ocorreu e as audiências foram de certo modo esvaziadas. Na discussão da BNCC do Ensino Médio há a participação dos estudantes e suas entidades representativas, e muitos especialistas confrontam a ideia da Base comparando-a com os termos da Lei que aprovou a reforma do Ensino Médio (já até escrevemos sobre este tema. Veja: https://cidadeverde.com/cienciaviva/86223/reforma-do-ensino-medio). Pelo que li, há um descompasso entre as duas propostas que devem atuar de modo coordenado.

Para completar a celeuma, o Coordenador da BNCC, Prof. César Callegari deixou a função e fez severas críticas a este descompasso existente entre os moldes da BNCC e a reforma do Ensino Médio. Na minha opinião, já existia um grande problema com a Reforma do Ensino Médio que está prestes a deixar um número considerável de estudantes de fora de muita coisa (sem acesso a muito conhecimento e oportunidades). Com o descompasso em relação à Base, será muito difícil que estudantes de escolas públicas, especialmente de cidades pequenas, possam ter acesso a um processo de formação mais amplo, precarizando ainda mais o ensino público brasileiro.

Vamos observar as próximas movimentações sobre o tema. Na minha opinião, para fugir do fulcro ideológico atribuído à reforma e ao estabelecimento da Base, o correto seria entregar as discussões de volta para o Ministério da Educação e retomá-las apenas após a eleição de um novo Presidente da República, dando legitimidade às discussões. Entretanto, neste sentido, corre-se um risco muito grande, dependendo da alma que for eleita.

É aquela história: se correr o bicho pega e se ficar o destroço é feio...

Até o próximo post...

Dia Nacional da Ciência: motivos para comemorar?

Aqui no Brasil, desde 2001, 08 de julho é o Dia Nacional da Ciência e desde 2008, 08 de julho, também é o Dia Nacional do Pesquisador. Duas leis federais estabeleceram estas datas.

Não conheço muito bem a circunstância motivadora do estabelecimento da data comemorativa, mas possivelmente estejam relacionadas ao aniversário da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), fundada em 08 de julho de 1948, que completa hoje seus 70 anos.

Talvez os leitores do Ciência Viva tenham observado o tom melancólico deste texto. Mas será que existem motivos para comemorar?

Os investimentos em Ciência e Tecnologia no país talvez, proporcionalmente, sejam os menores de todos os tempos. As pesquisas em andamento, muitas vezes estão absolutamente comprometidas pela falta iminente de recursos, pois todas as vezes que a “tesoura orçamentária” vem pega, em primeiro lugar, os parcos recursos destinados para Ciência. E assim caminha nosso segmento: trôpego...

A curto prazo não vejo nenhuma “Porta da Esperança” aberta. A SBPC tem encampado uma luta de pelo menos espernear para que se consiga sensibilizar as autoridades do País. Existem pequenas ilhas de benfeitorias em alguns estados. Mas, a grosso modo, boa parte dos nossos investimentos em Ciência são meio a meio entre as iniciativas públicas e privadas. Se reduz a iniciativa pública a iniciativa privada também se reduz: é consequência imediata.

Seria de muito bom tom que pudéssemos lutar por uma renovação política do Brasil. Que tal começarmos observando o que dizem os planos de Governo dos candidatos em relação ao desenvolvimento científico?

Feliz Dia Nacional da Ciência! Feliz Dia do Pesquisador!

 

Mais uma propriedade da Aspirina em favor da saúde

Todo mundo já conhece as propriedades do Ácido Acetil-Salicílico. Conhecido pelos nomes comerciais como AAS ou Aspirina (dependendo do laboratório), há décadas é usado como um eficiente analgésico,

Além das funções para as quais fora criado, o AAS já vem sendo usado há muito tempo pelos pacientes com predisposição a problemas cardíacos. O medicamento retarda o processo de formação de coágulos, o que popularmente é conhecido como a capacidade de “afinar o sangue”. Por esta propriedade, o medicamento é totalmente contraindicado no caso de suspeita de Dengue, pois favorece a ocorrência de hemorragias.

A novidade agora foi a descoberta de que o uso do medicamento em pequenas doses pode ser importante no combate ao mal de Alzheimer. De acordo com pesquisadores da Universidade de Rush, em Chicago (EUA), o progresso do Alzheimer deve-se à formação de placas de uma proteína tóxica beta amiloide, especialmente na região cerebral do Hipocampo. O estudo feito em cobaias revelou que as doses de AAS estimulam a ação de lisossomos nas células, levando à degradação das placas.

O estudo foi publicado dia 02 de julho no Journal of Neuroscience.

 

Como se descobre uma nova espécie?

Como professor de biologia sempre ouvi perguntas sobre descobertas de novos seres vivos. O processo é bastante complexo e depende de um esforço muito grande de muitos pesquisadores, muito embora a colheita de frutos seja um processo bem mais restrito. Mas partindo da curiosidade infanto-juvenil: Professor como uma nova espécie é descoberta?

Quem trabalha com a pesquisa de biodiversidade vive embrenhado no meio do mato ou mergulhando no fundo do mar, buscando fazer coletas de animais, plantas, algas ou fungos (e agora graças ao Governo Brasileiro, correndo o risco de pagar multas pesadíssimas – já discutimos este tema aqui no Ciência Viva. Veja: https://cidadeverde.com/cienciaviva/91711/como-destruir-a-pesquisa-em-biodiversidade-de-um-so-golpe ). A coleta é necessária. Muitas vezes este material fica acondicionado em museus, laboratórios, herbários formando coleções às vezes preservadas por muitos anos. É este material que vai virar fonte de pesquisa para descoberta de uma nova espécie.

Os estudos de graduação ou pós-graduação nas áreas afins da biodiversidade (zoologia, botânica, ficologia, micologia, microbiologia etc.) trabalham com esta matéria-prima (organismos coletados). À medida que o estudioso avança no detalhamento do organismo, observando detalhes da sua forma (morfologia), organização interna em nível celular (anatomia), especificidades de substâncias químicas que o compõe, observação de material genético, aliados a informações sobre o ambiente em que vive, entre outros, vai gerando um conjunto de características personificadas. Quando esta caracterização está completa, ou se completando, o pesquisador passa a poder comparar com estudos feitos em organismos mais próximos. Aí começa a colheita de frutos.

Organismos identificados anteriormente, cujas informações já estejam devidamente publicadas, permitem ao novo pesquisador observar as semelhanças e dessemelhanças, até que se consiga configurar se aquele organismo estudado recentemente é similar ao já estudado ou reúne tantas diferenças ao ponto que se possa caracterizar como uma nova espécie. Com estes dados busca-se dar publicidade o máximo possível, a partir de uma descrição mínima e um novo batismo (Nome Científico).

A descoberta é passiva de discussão, especialmente no meio acadêmico, onde circulam aquelas informações. Cansou para entender como se descobre uma nova espécie? Pois é. Não é fácil mesmo!

Até o próximo post...

Ciência Viva Ensina: Você sabe por que o céu é azul?

 

Quando a luz do sol entra na atmosfera da Terra, atinge todos os tipos de moléculas (principalmente de nitrogênio e oxigênio, os gases mais abundantes de sua composição) no seu caminho e vai quicando como uma bola de fliperama. Isso é chamado de dispersão, o que significa que, em um dia claro, se você olhar para qualquer parte do céu, a luz que vê esteve se dispersando pela atmosfera antes de chegar a seus olhos.

Se toda a luz fosse dispersada igualmente, o céu seria branco. Mas não acontece assim. A razão é que os comprimentos de ondas (a luz é emitida como uma onda que pode ser medida em comprimento) mais curtos de luz têm maior probabilidade de se dispersarem do que os mais longos, o que significa que os azuis se dispersam no céu mais do que os vermelhos e amarelos. Então, ao invés de vermos um céu branco quando olhamos para cima, vemos o azul.

(Extraído do livro De que são feitas as coisas, de Mark Miodownik)

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