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A revisão dos contratos (VI)

De acordo com o Código Civil (arts. 458 ao 461), são aleatórios os contratos cujo risco internalizado envolva a ocorrência ou não de coisas ou fatos futuros, ou suas quantidades. Isto é, são legítimos os contratos que prevejam, por exemplo, um intervalo de produção agrícola de determinado grão de quantas a tantas sacas por um preço total fixo; se a produção estivesse no mínimo previsto, melhor à parte vendedora, sendo mais vantajoso à parte compradora na hipótese inversa. Estando a produção dentro desse intervalo, nenhuma das partes poderia reclamar o aumento ou a diminuição do preço final pois essa variação seria o próprio risco contratado – a própria álea contratual.

Daí que classicamente se defendia não caber a revisão de contratos aleatórios, haja vista um certo desequilíbrio entre as prestações ser a sua específica função em concreto. Não se admitiria, novamente como exemplo, que alguém reclamasse a revisão do valor pago à Caixa Econômica Federal por um bilhete da Mega-Sena alegando que não teria sido premiado. Isso esvaziaria a razão de existir dessa espécie de contrato, de aposta.

Ocorre que a doutrina civil tem adotado uma outra posição nos últimos anos, admitindo a revisão de contratos aleatórios em algumas pontuais situações. Tal processo revisório teria cabimento quando o desequilíbrio das prestações se desse por conta de riscos não contratados. Isto é, desde que não se relacionasse aos específicos riscos assumidos quanto à ocorrência ou não de coisas ou fatos futuros, ou suas quantidades. Nesse sentido o teor do Enunciado 440 da V Jornada de Direito Civil: “é possível a revisão ou resolução por excessiva onerosidade em contratos aleatórios, desde que o evento superveniente, extraordinário e imprevisível não se relacione com a álea assumida no contrato”.

Portanto, naquele primeiro exemplo se poderia, em tese, pleitear a revisão do contrato de compra e venda de safra futura, estruturado de forma aleatória quanto à quantidade da produção, quando o desequilíbrio se relacionasse não à quantidade de sacas colhidas, mas a uma variação cambial superveniente e imprevisível. Isso quando pactuado em dólar, nas situações em que isso é válido no direito brasileiro, como se verá na próxima semana.

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

www.rochafurtado.com.br

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