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Sobre a herança digital (I)

A herança digital é tema que tem ganhado a atenção recente do direito civil brasileiro, especialmente por conta de sua novidade e da ausência de regulamentação jurídica no Brasil – como, a rigor, na maioria dos outros países da nossa mesma tradição. Conceitualmente, pode-se defini-la como sendo o conjunto de interesses patrimoniais e existenciais afeitos a uma pessoa existentes em suas contas virtuais em redes sociais e sítios eletrônicos em geral. Por exemplo: contas no Facebook, no Twitter, no YouTube, jogos virtuais, e-books etc. A questão central é: quais destinações dar a esses bens e a essas informações sensíveis após a morte da pessoa titular?

Duas vertentes principais têm sido formadas: uma primeira pretende tratar esse tópico pelo regime jurídico dos direitos da personalidade, principalmente quanto aos dados sensíveis existentes em redes sociais; uma segunda, pelo regime jurídico do direito das sucessões, usando como um de seus argumentos a possibilidade de haver disposições testamentárias (espécie de sucessão) tanto quanto aos interesses patrimoniais quanto aos existenciais. Nesse sentido, preceitua o Código Civil em seu art. 1.857, § 2º: “São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado”.

Há, por certo, uma preocupação central com a privacidade post mortem no tema da herança digital. Mas a isso não está restrito. Há também preocupações com a privacidade de terceiros, haja vista relacionamentos virtuais e conversas que possam ter sido travado entre a pessoa falecida e estes, bem como preocupações com aspectos estritamente patrimoniais, haja vista a possibilidade de imediata aferição pecuniária de bens jurídicos virtuais (como, por exemplo, e-books, jogos virtuais e contas que geram receitas no YouTube e Instagram). Nesse último ponto, a dúvida é sobre a quem seriam destinados tais direitos patrimoniais.

As dúvidas vão surgindo e se replicando por conta da ausência de um regramento jurídico da herança digital no Brasil. Mas já há discussões legislativas nesse sentido, havendo dois projetos de lei de maior repercussão: os Projetos de Leis nº 7742/2017 e 8562/2017, ambos em trâmite na Câmara Federal dos Deputados.

Trataremos de ambos nas próximas semanas.

 

Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

www.rochafurtado.com.br

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