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O Papel do Direito de Infraestrutura no Desenvolvimento do Agronegócio Brasileiro

Por Gabriel Furtado e Victória Emannuelle

A infraestrutura é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento sustentável do agronegócio no Brasil, setor que se destaca como um dos mais competitivos e produtivos do país. Apesar disso, enfrenta desafios estruturais significativos que impactam diretamente na sua eficiência e crescimento, sobretudo (i) na logística e transporte; (ii) no armazenamento da produção; e (iii) no escoamento.

A infraestrutura de transporte no Brasil é historicamente insuficiente; as rodovias malconservadas, ferrovias subutilizadas e portos congestionados aumentam a ineficiência, os custos e os riscos da atividade. Isso se deve principalmente à dependência excessiva das rodovias. No Brasil, 65% da movimentação de cargas é realizada por rodovias, enquanto o ideal seria no máximo de 30%[1].

Somado a isso, a falta de infraestrutura adequada de armazenamento é outro grave problema, pois a produção na maioria das vezes precisa ser estocada e por ocorrer de forma inadequada resulta em perdas e desperdícios. Um estudo realizado em 2023, revelou que o Brasil possui capacidade de armazenamento em torno de 180 a 190 milhões de toneladas, enquanto a estimativa de produção agrícola nacional chega a 315,8 milhões de toneladas[2].

Isso obriga os produtores a escoar as safras imediatamente após a colheita, aumentando a pressão sobre a infraestrutura de transporte​ e a ineficiência no transporte dos produtos do campo até os mercados consumidores e portos de exportação.

Atualmente, o cenário legislativo encontra-se igualmente ultrapassado, têm-se por exemplo a Lei Federal nº 12.815/2013, que regula os portos; a Lei Federal nº 9.973/2000, que estabelece normas para a atividade de armazenagem de produtos agropecuários; a Lei Federal nº 13.448/2017, que dispõe sobre a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário. Contudo, a legislação vigente é insuficiente para enfrentar as necessidades de infraestrutura e logística do agronegócio.

O Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) tem buscado amenizar a problemática; dentre suas principais ações, têm-se: (i) o Programa de Fomento ao Setor Agropecuário[3], que visa melhorar a infraestrutura do agronegócio por meio de obras e serviços de engenharia, pavimentação e energia elétrica; e (ii) o Desenvolvimento do Arco Norte[4] com o incentivo aos portos e corredores de exportação do Arco Norte, buscando reduzir os custos logísticos e facilitar o escoamento da produção agrícola para os mercados consumidores e portos de exportação. Porém, a necessidade da infraestrutura do agronegócio requer alternativas mais radicais para enfrentar a problemática.

Nesse cenário, faz-se necessário não só uma atuação do legislativo aliada a um aumento dos investimentos para o setor, mas sobretudo a elaboração de projetos fundamentados em estudos e prognósticos com a participação das entidades representativas que atuam diretamente no setor, se utilizando da tecnologia e inovação para buscar meios concretos de resolver o problema.

Desse modo, para garantir a sustentabilidade e competitividade do agronegócio brasileiro, é necessário analisar os desafios estruturais de transporte, armazenamento e escoamento. Embora as iniciativas do MAPA, como o Programa de Fomento ao Setor Agropecuário e o desenvolvimento do Arco Norte, sejam promissoras, é necessário um esforço legislativo contínuo, investimento em tecnologia e inovação, além de uma cooperação eficaz entre os setores público e privado.

 

[1]https://blog.mfrural.com.br/desafios-da-logistica-no-agronegocio/.

[2] https://revistacultivar.com.br/artigos/armazenamento-de-graos-no-brasil-entenda-o-problema.

[3]https://portalconvenios.com/programa-fomento-ao-setor-agropecuario-do-mapa-foi-liberado-para-cadastro-de-propostas/

[4]https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/politica-agricola/infraestrutura-e-logistica/infraestrutura-e-logistica.

TD Impacta: Tesouro Direto cria nova plataforma de investimento para negócios inovadores

Por Gabriel Furtado e Lara Kronenberger

 

O Programa Tesouro Direto, em parceria com a B3 – a bolsa do Brasil –, anuncia a criação do TD Impacta, uma plataforma inédita de apoio e investimento para negócios de impacto. A iniciativa é voltada a impulsionar soluções em educação, meio ambiente e economia que tenham potencial de geração de impacto positivo na sociedade. Estão previstos investimentos de até R$ 5,2 milhões em formato de grants (doação) para até 40 negócios, o que representa uma soma expressiva de recursos para programas de fomento no ecossistema de empreendedorismo de impacto nacional.

Tesouro Direto

O Tesouro Direto é um Programa do Tesouro Nacional desenvolvido em parceria com a B3 para venda de títulos públicos federais para pessoas físicas, de forma 100% online. Lançado em 2002, o Programa surgiu com o objetivo de democratizar o acesso aos títulos públicos, permitindo que pequenos investidores adquiram títulos públicos sem a intermediação de grandes instituições financeiras. Representa uma alternativa de investimento com diferentes tipos de rentabilidade, prazos de vencimento e fluxos de remuneração, além de baixo risco.

Negócios de Impacto Social

Negócios de impacto social são empreendimentos que têm a intenção clara de endereçar um problema socioambiental por meio da sua atividade principal (seja seu produto/serviço e/ou sua forma de operação). Atuam de acordo com a lógica de mercado, com um modelo de negócio que, além da busca por retornos financeiros, se compromete a medir o impacto que gera.

Na prática, configuram-se como organizações de várias naturezas jurídicas que operam como um negócio tradicional, orientando-se pela lei da oferta e demanda e dedicando-se a conhecer seu público, oportunidades e riscos, e utilizando mecanismos de mercado para atingir seus propósitos sociais. Assim, os negócios de impacto social mostram que não há conflito entre ambição social e econômica.

TD impacta

Em seu ano inaugural, o objetivo principal do TD impacta (https://tdimpacta.com.br) é fomentar negócios de impacto que ajudem a ampliar o alcance do Programa Tesouro Direto e seus objetivos de educação financeira. Para isso, serão selecionadas, entre as ideias e negócios inovadores inscritos de todo o Brasil, aqueles com maior potencial de crescimento e viabilidade de geração de impacto positivo em quatro principais temas: (i) educação financeira e soluções financeiras inclusivas; (ii) educação profissionalizante e acesso a emprego e renda, (iii) educação inclusiva e tecnologias assistivas; e, por fim, (iv) meio ambiente e economia circular com a inclusão de grupos vulneráveis.

Os empreendedores poderão se inscrever de acordo com o estágio de maturidade do negócio: Criação (para talentos interessados em empreender, que querem tirar uma ideia do papel e transformá-la em um negócio); Aceleração (para startups e empresas early stage que tenham um protótipo ou MVP desenvolvido e precisam de apoio para desenvolver o modelo de negócio); e Inovação Aberta (negócios em estágio de tração ou escala, interessados em fazer uma prova de conceito ao lado dos parceiros da iniciativa).

Os 40 escolhidos receberão tanto apoio financeiro como capacitação gratuita e on-line. Ao longo da jornada, as empresas serão avaliadas por critérios de desempenho e engajamento e, ao final do processo, os projetos destaques de cada categoria receberão um valor adicional.

Conclusão

Os negócios inovadores estão revolucionando a nossa sociedade com soluções tecnológicas e criativas que abordam problemas sociais e ambientais de maneira eficaz. Iniciativas como o TD Impacta são fundamentais para impulsionar essa transformação, pois oferecem suporte financeiro e educacional para startups sociais que estão na vanguarda dessas mudanças. A criação de uma plataforma governamental dedicada a investimentos em negócios de impacto social não só fortalece o ecossistema empreendedor, mas também destaca a importância de políticas públicas que incentivem o desenvolvimento sustentável e inclusivo, gerando benefícios significativos para toda a comunidade.

Fontes:

https://tdimpacta.com.br/

https://www.tesourodireto.com.br/conheca/conheca-o-tesouro-direto.htm

https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/sebraeaz/o-que-sao-negocios-de-impacto-social,1f4d9e5d32055410VgnVCM1000003b74010aRCRD#:~:text=Causar%20um%20impacto%20positivo%20em,dos%20neg%C3%B3cios%20de%20impacto%20social.

Kopenhagen x Cacau Show: o Registro de Marca e a Lei da Propriedade Industrial no Brasil

Por Mariana Salha

Em decisão publicada no começo de julho de 2024, a juíza Federal Laura Bastos Carvalho, da 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro/RJ, determinou que a Kopenhagen não tem exclusividade sobre o uso da marca "Língua de Gato". A magistrada entendeu que a expressão "língua de gato" é de uso comum e designa chocolates em formato oblongo e achatado, podendo, portanto, ser utilizada por outras chocolatarias.[1] Este caso ilustra a aplicação rigorosa da Lei da Propriedade Industrial no Brasil e ressalta a eficiência do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) na proteção de interesses coletivos e na promoção da livre concorrência.

Atualmente, no Brasil, os direitos e obrigações concernentes à defesa da propriedade industrial são regidos pela Lei 9.279/96[2], também conhecida como Lei de Propriedade Industrial. O artigo 2º desta lei estabelece que o registro de marca perante o INPI é a forma pela qual se atribui proteção aos direitos relacionados à propriedade industrial, coibindo a concorrência desleal. Concorrência desleal refere-se a quaisquer ações abusivas cometidas com o objetivo de angariar consumidores de empresas concorrentes para obter lucros no mercado.

Nesse contexto, o registro de marca é de extrema importância para garantir a proteção jurídica e o direito exclusivo de uso de uma marca em determinado segmento comercial. Com o registro, a marca obtém proteção legal para seu nome, logotipo e outros elementos relacionados à empresa. Isso significa que o empreendedor pode usar sua marca sem medo de que alguém possa copiá-la ou usá-la sem permissão, estando resguardado em casos de práticas de concorrência desleal.

A ação judicial foi movida pela Cacau Show, que buscava a anulação dos registros de marca nº 906.413.478 e nº 906.413.966 no INPI, argumentando que "língua de gato" é uma expressão descritiva e amplamente utilizada no mercado para designar chocolates com um formato específico. Segundo a Cacau Show, o termo foi criado no exterior no século XIX e se tornou comum em várias partes do mundo, incluindo o Brasil, sendo utilizado por diversas marcas para identificar chocolates em formato de língua de gato.

Em sua defesa, a Kopenhagen alegou que a marca "Língua de Gato" possuía distintividade adquirida ao longo do tempo (secondary meaning) e que a expressão nunca foi de uso comum ou descritiva. A empresa argumentou que a exclusividade do uso do termo era justificada pelo reconhecimento que a marca havia alcançado no mercado brasileiro, associando a expressão especificamente aos seus produtos.

Após a análise dos argumentos, a magistrada decidiu pela anulação do registro nº 906.413.478, que abrangia chocolates e doces. A decisão foi fundamentada no art. 124, VI da Lei de Propriedade Industrial, que proíbe o registro de termos descritivos ou comuns para produtos específicos. A juíza concluiu que a expressão "Língua de Gato" é comumente utilizada para designar chocolates em formato oblongo e achatado e, portanto, não é passível de registro como marca nominativa exclusiva.

A decisão judicial destacou a importância de manter termos genéricos acessíveis à coletividade, evitando que uma empresa monopolize expressões de uso comum, o que poderia prejudicar a livre concorrência. A juíza ressaltou que a tentativa de registrar tal expressão viola o princípio da livre concorrência, pois impediria que outras empresas utilizassem um termo amplamente reconhecido para descrever um tipo específico de chocolate.

Contudo, o registro nº 906.413.966, que incluía produtos não relacionados diretamente a chocolates e doces, foi mantido. A especificação deste registro não fazia referência direta ao formato dos chocolates, permitindo que a Kopenhagen mantivesse a proteção sobre a marca em outras categorias de produtos.

A decisão foi recebida como um marco importante para assegurar um mercado mais justo e competitivo. Ela sublinha a impossibilidade de se apropriar de termos genéricos que pertencem ao domínio público, promovendo a transparência e a equidade na competição empresarial. Este caso reforça a relevância da Lei da Propriedade Industrial no Brasil, que busca equilibrar os interesses de proteção de marcas com a promoção da livre concorrência. A atuação do INPI é fundamental para garantir que o registro de marcas não se torne um instrumento de monopólio indevido sobre termos descritivos ou de uso comum, assegurando que o mercado permaneça acessível e justo para todas as empresas.

 

[1] https://www.migalhas.com.br/arquivos/2024/7/AA116146A72044_Evento46-SENT1.pdf

[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm

Combustível Sustentável para Aviação: inovação e sustentabilidade no setor aéreo

O mundo enfrenta desafios ambientais crescentes, e a busca por soluções sustentáveis tornou-se uma prioridade global. No setor de aviação, uma das inovações mais promissoras é o Combustível Sustentável para Aviação, conhecido como SAF (Sustainable Aviation Fuel). Esse biocombustível apresenta características químicas e físicas muito similares ao querosene de aviação derivado do petróleo, mas com a vantagem de ser produzido a partir de matérias-primas renováveis, reduzindo significativamente as emissões de carbono.

O que é o SAF?

O SAF é um combustível desenvolvido especificamente para o setor aéreo, que se destaca por sua sustentabilidade. Ele é produzido a partir de uma variedade de matérias-primas, incluindo biomassa, óleo de cozinha usado, resíduos urbanos, gases residuais e captura direta de CO₂ da atmosfera. No Brasil, as principais matérias-primas utilizadas são a cana-de-açúcar, a soja e o eucalipto.

Quimicamente, o SAF é composto por hidrocarbonetos semelhantes aos encontrados no querosene convencional. Um dos componentes mais importantes na produção do SAF é o hidrogênio, que reage com o dióxido de carbono para gerar os hidrocarbonetos necessários. Além disso, uma das grandes vantagens do SAF é a sua compatibilidade com os sistemas de armazenamento, transporte e abastecimento de aeronaves existentes, tornando-se um "drop-in fuel", ou seja, um combustível que pode ser utilizado sem grandes adaptações nos equipamentos atuais.

Relevância do SAF

A aviação é responsável por cerca de 3,5% das emissões globais de CO₂, um percentual significativo considerando o impacto ambiental. De acordo com estudos, a utilização do SAF pode reduzir as emissões de carbono entre 70% e 90% em comparação com o querosene tradicional. Além da redução de CO₂, o SAF também diminui a emissão de outros poluentes, como o enxofre, colaborando para a melhoria da qualidade do ar e a desaceleração do aquecimento global.

Ao ser produzido a partir de resíduos agrícolas e óleo de cozinha usado, o SAF também promove a economia circular, reduzindo o desperdício e dando uma nova utilidade a materiais que seriam descartados. Isso não apenas beneficia o meio ambiente, mas também oferece uma estabilidade de preços maior do que o querosene convencional, que está sujeito a flutuações de mercado.

Impactos do SAF no setor aéreo

Organizações como a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) estimam que o SAF pode contribuir com cerca de 65% da redução das emissões necessárias para que a aviação alcance emissões líquidas zero de CO₂ até 2050. A implementação de novas tecnologias, como aviões elétricos e a hidrogênio, bem como melhorias na infraestrutura e operações, também serão fundamentais, mas o SAF se destaca como a principal solução de curto a médio prazo.

Exemplos práticos do uso do SAF já estão em andamento. A companhia aérea holandesa KLM, por exemplo, adiciona 1% de SAF, feito de óleo de cozinha usado, no abastecimento de cada voo que sai do Aeroporto Schiphol, em Amsterdã, com a meta de chegar a 10% até 2030. Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer, pois, em 2023, os SAFs representaram apenas 0,2% dos combustíveis utilizados pela aviação mundial.

O Brasil e o SAF

No Brasil, a legislação está acompanhando essa tendência sustentável. O Projeto de Lei 528/2020, já aprovado pela Câmara dos Deputados e atualmente em tramitação no Senado Federal, institui o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (PROBIOQAV). Esse programa prevê a obrigatoriedade para as empresas de transporte aéreo de introduzir o SAF como combustível em suas aeronaves a partir de 2027.

Conclusão

O Combustível Sustentável para Aviação (SAF) representa uma solução viável e eficiente para reduzir as emissões de carbono no setor aéreo, promovendo a sustentabilidade e a economia circular. Com o avanço da legislação brasileira, o futuro da aviação sustentável está cada vez mais próximo. Investir no SAF é um passo crucial para garantir um meio ambiente mais saudável e um setor aéreo mais sustentável para as futuras gerações.

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Gabriel Rocha Furtado é Advogado e Professor de Direito Civil (UFPI e iCEV), em nível de graduação, especialização e mestrado. Doutor e Mestre em Direito Civil (UERJ). Escreve para o Caderno Jurídico sempre às terças-feiras.

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Planejamento Sucessório: possíveis impactos e perspectivas diante da reforma do Código Civil

Por Gabriel Furtado e Victória Emannuelle

O planejamento sucessório pode ser conceituado como uma medida preventiva adotada pelo titular que o permite escolher, conforme a sua vontade, ainda em vida a forma como deve ocorrer a transmissão dos seus bens aos seus sucessores, tendo como finalidade evitar conflitos futuros que poderão gerar a perda ou deterioração dos seus bens[1]. Contudo, a forma como o planejamento é analisado, bem como os limites que o cercam, sofrerão sensíveis mudanças com a reforma do Código Civil.

Embora a proposta de reforma do Código Civil, atualmente em tramitação no Senado Federal, preveja muitas alterações no direito sucessório, quatro mudanças merecem maior destaque[2]: (i) a possibilidade de participação dos cônjuges como sócios da mesma sociedade empresária independente do regime de bens; (ii) a retirada do cônjuge do rol de herdeiros necessários; (iii) a permissão para o testador indicar e deliberar sobre a partilha dos quinhões hereditários; (iv) a possibilidade de qualquer pessoa poder fazer a partilha em vida dos seus bens.

A primeira alteração mencionada tem a finalidade de alterar o atual art. 977, do CC[3], que dispõe sobre a faculdade de cônjuges “contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória”, ou seja, que veda a constituição de sociedade entre cônjuges casados sob o regime de comunhão universal ou separação obrigatória de bens. A mudança pode ser considerada como um marco positivo no planejamento sucessório das famílias, proporcionando ao casal, criador do patrimônio familiar, a liberdade de escolher o regime a ser adotado, sem obstáculos no planejamento de seus bens.

A segunda mudança referente à retirada do cônjuge do rol de herdeiros necessários objetiva a reforma do art. 1.845, do CC, que prevê em sua versão atual os herdeiros necessários como sendo os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. A exclusão do cônjuge do referido rol pode trazer repercussões importantes no planejamento sucessório.

Por fim, a reforma prevê ainda alterações quanto à partilha, em especial quanto a pontos que se revelam atualmente como limitantes para o planejamento sucessório, sobretudo o vigente art. 426, do CC o qual dispõe que “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. Nesse ponto, a nova redação tem o intuito de prever que[4]  “o testador possa indicar e deliberar sobre a partilha dos quinhões hereditários, inclusive dos bens que compõe a legítima dos herdeiros necessários” e mais, permitir a partilha em vida ao dispor que “não só o ascendente, qualquer pessoa pode fazer a partilha em vida da totalidade ou de parte de seus bens”[5].

É indiscutível que caso essas mudanças sejam de fato aprovadas haverá muitas repercussões no direito sucessório brasileiro, devendo ser analisadas com bastante cautela antes de serem aplicadas, sob pena de gerar nulidades e colocar em risco o planejamento patrimonial idealizado pelo titular.

Diante disso, conclui-se que no cenário atual, de fato, o arcabouço normativo vigente para a sucessão é ultrapassado e insuficiente para as relações jurídicas da contemporaneidade, o que resulta em um sistema moroso, caro e burocrático, incitando o embate entre as partes. Por essa razão, o planejamento sucessório se revela muito útil para as pessoas em geral. No entanto, com as possíveis alterações estimadas com a reforma do Código Civil, toda a dinâmica de organização patrimonial sucessória sofrerá sensíveis modificações, importando ainda mais na necessidade de um planejamento adequado e eficaz.

 

[1] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: sucessões. 4 ed. Salvador: Juspodivm, 2018. P.86.

[2]Fontes: i) https://www.conjur.com.br/2024-jun-23/possiveis-efeitos-no-planejamento-patrimonial-na-reforma-do-codigo-civil/; ii) https://www.conjur.com.br/2024-abr-16/o-direito-das-sucessoes-na-reforma-do-codigo-civil/.

[3] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.

[4] Trecho extraído do artigo publicado por Maria Berenice Dias no site CONJUR, acessado em https://conjur.com.br/2024-abr-16/o-direito-das-sucessoes-na-reforma-do-codigo-civil/.

[5] Trecho extraído do site https://www.conjur.com.br/2024-abr-16/o-direito-das-sucessoes-na-reforma-do-codigo-civil/

Herança Digital: conflitos e perspectivas

Por Gabriel Furtado e Lara Kronenberger

O Direito das Sucessões consiste no conjunto de normas que disciplinam a herança, entendida como o conglomerado de bens, direitos e obrigações que integram o patrimônio de alguém, depois de sua morte, e que se transfere aos herdeiros em virtude de lei ou testamento. Tal agrupamento normativo encontra fundamento na própria Constituição da República ao enumerar, em seu artigo 5º, inciso XXX, o direito de herança como parte dos direitos fundamentais.[i]

Entre os seus princípios norteadores, destacam-se o respeito à vontade do finado, respaldado na autonomia da vontade, e o princípio da Saisine, exarado no artigo 1.784 do Código Civil, o qual determina que, no momento da morte (abertura da sucessão), é imediata a transferência da herança aos herdeiros legítimos (descendentes, ascendentes, cônjuge/companheiro, colaterais) e testamentários, respeitando-se a premissa de que inexiste bem sem o respectivo titular.[ii]

Quanto aos bens que integram o patrimônio a ser transferido, são conceituados como “coisas que proporcionam ao homem alguma utilidade, sendo suscetível de apropriação”.[iii] Nesse cenário, a mudança nas relações sociais ocasionada pelo avanço da tecnologia fez surgir uma nova categoria de “utilidade” para além do ambiente tangível e analógico tradicionalmente regulamentado pela legislação brasileira: os bens digitais. 

O objeto desse tipo de legado são bens imateriais, incorpóreos e intangíveis armazenados em dispositivos telemáticos ou em serviços de nuvem, abarcando fotos, músicas, vídeos, redes sociais, sítios eletrônicos, contas de streaming, documentos e dados em geral.

Surgem, então, novas problemáticas sucessórias, tendo em vista que a transmissibilidade de tais bens como herança é indefinida no ordenamento jurídico brasileiro. Diante disso, mostra-se a necessidade de preencher as lacunas por meio de construções doutrinárias e jurisprudenciais que, em sua maioria, buscam partir da classificação dos bens digitais, que se dividem em patrimoniais e existenciais. 

Os bens digitais patrimoniais representam aqueles que são conversíveis em pecúnia, tais como as milhas, os criptoativos (ativos virtuais protegidos por criptografia, como NFT´s, bitcoin e demais moedas virtuais) e os perfis monetizados (que geram receita) em redes sociais. Em relação a esse tipo de ativo digital, a doutrina especializada converge para a possibilidade de sua transmissão, seja por ato inter vivos ou mortis causa, uma vez que representam objetos de valor econômico que integram esta nova noção de patrimônio. 

No que tange aos bens digitais existenciais, que consistem nas contas estritamente pessoais, sem finalidade lucrativa, a controvérsia se intensifica, uma vez que o direito de herança vai de encontro com a proteção dos direitos de personalidade e da privacidade do usuário. À vista disso, a sua transmissão aos herdeiros ainda é objeto de grande discussão no mundo jurídico.

De um lado, entende-se pela inviabilização da transmissibilidade, tendo como fundamento a proteção da privacidade, intimidade, reputação e a esfera privada do indivíduo. De outro, acredita-se que a solução do conflito esteja na ampliação do conceito de herança já existente no Código Civil, capaz de abarcar a herança digital. Logo, de acordo com a segunda vertente, devem imperar os tradicionais princípios sucessórios da autonomia privada e da Saisine, garantindo a automática transmissão dos bens do falecido aos seus herdeiros legítimos, a menos que, em vida, haja expressa manifestação pessoal em sentido contrário. Portanto, sugere-se que eventual desrespeito, abuso ou exposição que venham a ser praticados pelos herdeiros em propriedade dos bens digitais do de cujus devem ser resolvidos na esfera patrimonial, por meio de sanções indenizatórias.

Apesar da controvérsia doutrinária e da pequena quantidade de casos concretos judicializados atualmente sobre o tema, as pesquisas sobre os julgados em tribunais do país identificam que a própria jurisprudência já aponta algumas lacunas que podem ser sanadas pela reforma do Código Civil, quais sejam: (i) diferenciação entre conteúdo econômico e não econômico da herança digital; (ii) classificação dos bens digitais; e (iii) relação da herança digital com a privacidade do de cujus e de terceiros.

Assim, conclui-se pela necessidade de que a nova legislação alcance o equilíbrio entre a efetivação do direito de herança aos bens digitais e a proteção de seu conteúdo após a transmissão aos herdeiros. Para isso, deve-se concentrar na categorização dos bens digitais, reconhecendo a urgência de uma regulação específica para lidar com os desafios da vida digital após a morte do usuário. Apenas uma abordagem moderna e adaptável às complexidades do contexto brasileiro atual garantirá a efetivação e longevidade dos direitos de herança digital.

DIREITO CONCORRENCIAL: a importância da Lei Antitruste no processo de fusão de empresas no Brasil

Por Gabriel Furtado e Mariana Salha

No final de janeiro deste ano, o anúncio de fusão entre as empresas do grupo Arezzo e do Grupo Soma, duas gigantes da moda no país, movimentou o debate sobre a concorrência e o acúmulo de capital no mercado brasileiro. Com a aprovação da fusão pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), a união das duas empresas forma um negócio com faturamento total de R$ 12 bilhões. Trata-se do maior conglomerado de moda do Brasil, reunindo 34 marcas e mais de duas mil lojas. A fusão entre as duas empresas foi anunciada no início de fevereiro de 2024. De acordo com o acordo firmado, os acionistas da Arezzo&Co obterão 54% de participação na nova empresa, enquanto os acionistas do Grupo Soma, que detêm marcas como Animale, Maria Filó e Hering, ficarão com os restantes 46%.

Embora inicialmente essa fusão possa gerar dúvidas sobre seu impacto na proteção do mercado e do consumidor, é fundamental ressaltar que o processo de fusão de empresas atualmente é regulamentado pela Lei nº 12.529/2011[1], que definiu critérios claros para determinar a atuação do CADE[2] na prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

Primeiramente, é importante pontuar que nem todos os processos de fusão precisam passar pelo CADE. Conforme a Portaria Interministerial nº 994, de 30 de maio de 2012[3], ainda em vigor, devem ser submetidos à análise do CADE os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: (i) pelo menos uma das empresas ou grupos econômicos tenha alcançado o faturamento de R$ 750 milhões no ano anterior à operação, e; (ii) pelo menos uma das empresas ou grupos econômicos tenha atingido o faturamento de R$ 75 milhões no mesmo período.

Com base na previsão legal e no critério objetivo de notificação, a autoridade antitruste analisa se existem preocupações concorrenciais. Primeiramente há a definição dos mercados relevantes dos Grupos Econômicos envolvidos, considerando também o ponto de vista geográfico e os produtos em questão (se complementares ou substituíveis). A partir de uma compreensão detalhada do mercado, o CADE avalia se a operação pode ser aprovada integralmente, aprovada com restrições ou, eventualmente, reprovada[4]. Essa análise de mercado assegura o equilíbrio da livre concorrência e da livre iniciativa, princípios fundamentais do antitruste.

Assim, é de extrema importância que as empresas envolvidas nesse processo tenham antes de tudo a iniciativa de procurar o CADE, uma vez que a lei antitruste enfatiza a necessidade de análise prévia da operação (ex ante). Nesse sentido, as empresas não podem trocar informações sensíveis do ponto de vista concorrencial. A consumação prévia da operação configura o chamado “gun jumping”, que se refere à prática de atos de consumação da operação antes que a autoridade antitruste se manifeste pela aprovação total, aprovação com restrições ou reprovação (ocorrendo em menos de 1% dos casos).[5]

O gun jumping é uma infração processual e, quando constatada, deve ser instaurado um procedimento administrativo para apuração de ato de concentração (Apac).[6] É dentro do Apac que também se verifica a necessidade de imposição de sanção, na forma de pagamento de uma contribuição pecuniária. Nesse contexto, qualquer operação deve ser apresentada ao Cade quando as partes (ou seus grupos econômicos) cumprem com os requisitos objetivos estabelecidos na LDC. Isso se aplica à cadeia industrial e ao varejo da moda nacional, como ocorreu nos casos já analisados historicamente.

Assim, tanto a consumação de uma operação de notificação obrigatória que tenha sido notificada ao Cade (mas sem decisão final), quanto uma operação não notificada (que deveria ter sido em razão do critério de faturamento), abrem espaço para a configuração do gun jumping e imposição de uma sanção pecuniária que pode variar de R$ 60 mil até R$ 60 milhões.

Dessa forma, a fusão entre Arezzo&Co e o Grupo Soma é um exemplo claro da importância da análise antitruste em todos os desenhos societários, notificada ao Cade devido aos faturamentos das respectivas empresas/grupos econômicos. O Cade aprovou a fusão sem restrições, pois a empresa resultante representará menos de 20% do mercado de moda brasileiro, além disso, a Arezzo&Co atua principalmente no segmento de calçados, com vestuário sendo um segmento secundário, o que reduz ainda mais a concorrência. O Grupo Soma, em contraste, foca em artigos de vestuário, com menor atuação no segmento de calçados.

O parecer da Superintendência-Geral do Cade destaca que "como justificativa para a realização da operação, as requerentes explicam que a combinação de portfólios de marcas predominantemente complementares contribuirá para a sua maior resiliência em mercados altamente competitivos. Além disso, a operação traz ganhos de sinergia na gestão de canais de venda, otimização de operações industriais e possibilidade de desenvolvimento de novas linhas de negócios".

 

[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm

[2] https://www.gov.br/pt-br/orgaos/conselho-administrativo-de-defesa-economica

[4] DOMINGUES, Juliana Oliveira; GABAN, Eduardo Molan. Direito Antitruste. 5ª ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024

[5] https://cdn.cade.gov.br/Portal/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/cartilha-do-cade.pdf

HIDROGÊNIO VERDE: a urgência dos protagonistas e a consolidação do marco legal

Por Gabriel Furtado e Luís Guilherme Tavares

“Não adianta se dizer protagonista sem a construção de um marco legal apropriado de um protagonista”. Foi com esse alerta que a CEO da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), Fernanda Salgado[i], encerrou sua participação no painel sobre a importância da regulamentação do Hidrogênio para o Brasil na Conferência Internacional de Tecnologias das Energias Renováveis (CITER), realizado esta semana em Teresina–PI.[ii]

Essa mensagem sintetiza bem um debate que acompanha as discussões sobre a implementação de um hidrogênio ambientalmente sustentável — verde — na matriz energética brasileira: o tempo. A construção de mercados futuros depende das decisões de investimentos feitas agora, de modo que o Brasil precisa urgentemente apresentar suas credenciais para atrair os recursos destinados a esse campo da economia verde.

A maneira mais objetiva de assegurar esses investimentos é proporcionando aos players do setor a segurança jurídica necessária para que possam planejar as etapas de implementação comercial com a previsibilidade do regime legal a ser observado. Há aqui, contudo, um descompasso entre o tempo da política e o tempo dos investimentos, que a despeito de interconexões constantes, trabalham em ritmos diversos.

O agravamento das mudanças climáticas, as crises geopolíticas no setor de combustíveis, as vantagens competitivas brasileiras e a proatividade de alguns Estados (e.g. Piauí, Ceará) exigem um ritmo que não tem sido acompanhado pela atividade legislativa nacional.

O Brasil ainda carece de um Marco Legal para o Hidrogênio de Baixo Carbono, o que pode ser percebido nas diversas terminologias utilizada nesta coluna, que o permita traçar as escolhas comerciais e financiamento que já estão sendo objeto de debate em outros países (i.e. Chile, França, Alemanha).

Essa lacuna reforça a atenção destinada ao acompanhamento dos projetos legislativos atualmente em trâmite no Congresso Nacional sobre o tema — PL n.º 5.816/2023; e PL n.º 2.308/2023.[iii] Sobre este último há expectativa de que o Relatório apresentado pelo Senador Otto Alencar (PSD/BA) seja aprovado na votação prevista para a próxima semana na comissão especial responsável.[iv]

Ainda que existam pontos da redação que necessitam de um aprimoramento técnico, como em qualquer, o debate que impede a aprovação parece ser bem reduzido se comparado aos consensos já existentes, de modo que se renova a pergunta quanto ao tempo a ser seguido: a urgência dos investimentos ou as maratonas de debate político?

A experiência brasileira nos conta que janelas de oportunidade são perdidas quando os tecnicismos desproporcionais e o apego ao debate se sobrepõe à urgência das necessidades; aprendizado que deve servir para a criação do Marco Legal do Hidrogênio (Verde), sob pena de ver esperança se transformar em arrependimento.

 

[i] CEO da ABIHV; Professora da FGV e da UFRJ; Conselheira da ACRJ; Fundadora do Sim, Elas Existem e do programa de mentoria feminina EMPODEREC; Possui colunas sobre energia no Broadcast do Jornal Estadão e na epbr; Ativista de Equidade de Gênero.

[ii] Conferir: https://www.citer.com.br/

MINERAÇÃO: dispensa de títulos minerários

Por Gabriel Furtado e Mariana Salha

Na última terça-feira (14/05/2024), a Agência Nacional de Mineração (ANM), frente à enorme tragédia que o Rio Grande do Sul vem enfrentando, anunciou que dará prioridade para pedidos de Dispensa de Título Minerário (DDTM) para materiais que serão usados em obras emergenciais no estado. Essa medida se baseia na Portaria DNPM n°155/2016 que define os pré-requisitos para a obtenção da declaração de dispensa de título minerário. A ação da ANM traz à tona a importância da dispensa de título, ao adequar as diretrizes estaduais às novas exigências socioeconômicas e ambientais e facilitar o desenvolvimento de obras de infraestrutura sem comprometer a sustentabilidade e a legalidade das operações.

A dispensa de título minerário permite a movimentação de terras e o desmonte de materiais in natura sem a necessidade de um título formal de mineração. Tal dispensa é crucial para a execução de obras públicas e civis, mas a comercialização dos materiais extraídos não é permitida, sendo seu uso restrito à própria obra.

Nesse sentido, a aplicação da dispensa de título minerário é relevante em diversas situações, especialmente em jazidas de empréstimo para uso de materiais em obras públicas, como rodovias, barragens e outras infraestruturas civis. Também se aplica à movimentação de terras para obras civis em geral, como terraplenagem necessária para edificações e infraestrutura. Nessas situações, é imperativo que o material excedente seja disposto conforme o projeto aprovado e as licenças ambientais pertinentes, evitando qualquer forma de comercialização.

Ademais, a DDTM é outorgada quando a viabilidade da obra depende da movimentação de terras e desmonte de materiais, com a vedação da comercialização das substâncias retiradas. Assim, a Resolução ANM nº 92/2022 permite que a DDTM seja emitida para obras emergenciais de reparo, executadas por órgãos da administração direta e autárquica da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O requerimento deve ser instruído apenas com o Decreto de Calamidade Pública ou Estado de Emergência expedido pela autoridade competente, dispensando outros documentos.

O processo de solicitação da DDTM à ANM é realizado por meio de protocolo digital e requer uma série de documentos específicos. Estes incluem uma justificativa detalhada demonstrando a necessidade dos trabalhos de movimentação de terras ou desmonte de materiais, e a vedação de sua comercialização. Adicionalmente, é necessário fornecer plantas georreferenciadas das áreas de interesse, juntamente com memoriais descritivos no Datum SIRGAS 2000, além de informações sobre a destinação dos materiais resultantes.

Além disso, em casos de obras federais, é necessária uma declaração do órgão contratante sobre a inviabilidade econômica de alternativas. A DDTM terá vigência de três meses a partir de sua publicação no Diário Oficial da União, ao final dos quais o requerente deve apresentar um Relatório de Movimentação contendo a poligonal da área movimentada, identificação e cálculo de volume das substâncias minerais extraídas e o período da atividade.

Dentre os benefícios da dispensa de título minerário, está sua isenção da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), conforme estipulado pelo art. 3º, § 1º, do Código de Mineração. Essa isenção é condicionada à observância estrita das normas de não comercialização dos materiais e sua utilização exclusiva na obra em questão. Além disso, a validade da dispensa está atrelada ao prazo da licença ambiental correspondente, podendo ser prorrogada com a devida justificativa, desde que não exceda a conclusão efetiva da obra.

Assim, a dispensa de títulos minerários se revela uma ferramenta vital para a execução de obras essenciais, permitindo maior agilidade e redução de burocracia sem comprometer a sustentabilidade e a legalidade. A correta aplicação das normas e procedimentos estabelecidos garante que as atividades minerárias sejam conduzidas de maneira responsável e em conformidade com as diretrizes ambientais e econômicas. Este equilíbrio entre desenvolvimento e preservação ambiental é fundamental para o progresso sustentável do setor de infraestrutura no Brasil.

 

Referências:

https://www.gov.br/anm/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/dispensa-de-titulo

https://app.anm.gov.br/servicospdanm/servico?IDAssunto=218

https://anmlegis.datalegis.net/action/ActionDatalegis.php?acao=abrirTextoAto&link=S&tipo=RES&numeroAto=00000092&seqAto=000&valorAno=2022&orgao=ANM/MME&codTipo=&desItem=&desItemFim=&cod_modulo=351&cod_menu=7909

 

INOVAÇÃO: o Marco Legal da Inteligência Artificial

Por Gabriel Furtado e Lara Kronenberger

O desenvolvimento e a popularização das tecnologias de inteligência artificial têm revolucionado diversas áreas da atividade humana. As previsões apontam que a inteligência artificial (IA) provocará mudanças econômicas e sociais ainda mais profundas num futuro próximo.

Reconhecendo a relevância dessa questão, a Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA) recentemente apresentou o Projeto de Lei nº 2338/2023, que dispõe sobre o uso da IA no Brasil.

O projeto, conhecido como Marco Legal da Inteligência Artificial, busca estabelecer as normas gerais de caráter nacional para o desenvolvimento, implementação e uso responsável de sistemas de inteligência artificial (IA), com o objetivo de proteger os direitos fundamentais e garantir a prática de sistemas que sejam seguros e confiáveis, em benefício da pessoa humana, do regime democrático e do desenvolvimento científico e tecnológico (Art. 1º).

Para isso, o Marco Legal prevê os fundamentos e princípios que nortearão esse desenvolvimento, entre os quais se destacam (i) a centralidade da pessoa humana que, como desenvolvedora e usuária da inteligência artificial, deve garantir que as tecnologias respeitem os direitos fundamentais e valores democráticos, (ii) a proteção ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável ao considerar a sustentabilidade ambiental e o impacto das tecnologias de IA na natureza e (iii) o estímulo ao desenvolvimento da tecnologia e inovação, já que permite o sandbox regulatório, ou seja, um ambiente controlado e experimental no qual empresas, startups e outras entidades podem testar inovações ou modelos de negócios sob supervisão regulatória flexível. Esse conceito visa fomentar a inovação ao permitir que as organizações testem novas ideias em um ambiente seguro, com regras adaptadas e acompanhamento regulatório específico (Art. 2º, 3º e 38).

Nesse cenário, a proteção dos dados pessoais destaca-se como uma preocupação central do projeto de lei ao buscar garantir a privacidade e a segurança das informações dos usuários no contexto da inteligência artificial. A legitimação do tratamento de dados, a adoção de parâmetros satisfatórios para a sua e organização e a implementação de medidas de segurança visando protegê-los contra acessos não autorizados ou vazamentos demonstram o compromisso do projeto em garantir a confidencialidade e a integridade dos dados pessoais, promovendo a confiança dos usuários no ambiente digital (Art. 19).

O projeto ainda assegura o direito à não discriminação e à correção de vieses discriminatórios ao estabelecer que os vieses cognitivos humanos passíveis de afetação da coleta de dados e capazes de gerar preconceitos sociais estruturais a serem perpetuados pela tecnologia, precisam ser cautelosamente avaliados com medidas apropriadas de controle. (Art. 20). Assim, a legislação pretende assegurar que a inteligência artificial seja utilizada de forma responsável e em respeito os direitos fundamentais dos indivíduos, promovendo um ambiente de igualdade, confiança e proteção no uso dessa tecnologia.

Com a implementação dessas diretrizes, espera-se um impacto significativo no desenvolvimento da inteligência artificial no Brasil. A previsibilidade jurídica proporcionada pelo Projeto de Lei nº 2338/2023 contribuirá para fomentar a inovação e o investimento em tecnologias de IA, impulsionando o crescimento do setor e estimulando a criação de soluções mais seguras, eficientes e éticas.

 

FONTES:
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/157233
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/24/ia-relator-apresenta-proposta-alinhada-com-regulamentos-da-europa-e-dos-eua
https://www.jota.info/legislativo/marco-legal-da-ia-entenda-os-principais-pontos-do-texto-preliminar-08052024?non-beta=1

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